A CRUZ DO JUMENTO
Três moleques da cidade
Foram ao campo um dia,
Avistaram lá um asno
E gritaram de alegria:
“Vamos comprar esse burro,
Antes que ele dê um urro
E morra de letargia".
Disse o dono que vendia
O seu jegue companheiro,
Mas como estava velho
Valia pouco dinheiro:
- Eu o dou por cem reais,
Por ele não peço mais,
Pois não sou interesseiro.
Eles foram ver primeiro
O burrico bem de perto,
Em pé e ali cochilando
Naquele pasto deserto,
Solto e já sem o arreio,
Livre pra sempre do freio
E do amo mau e esperto.
Fizeram logo o acerto
E aquele burro magro
Foi comprado e vendido
À beira dum belo lago,
Só na lábia e no fiado,
Para ser dali levado
Apenas depois de pago.
Dias depois, muito gago,
Ou seja, já gaguejando,
Disse o cabra aos meninos:
- O negócio foi nefando,
Ontem, quando anoiteceu,
Meu velho burro morreu
E por ele estou chorando.
Vocês o estão comprando,
Mas não posso entregar
Aquele jumento morto,
Pois só me resta enterrar
O meu finado burrico,
À sombra dum pé de angico
No meio do meu pomar.
Disseram: - Vamos pagar
Por ele o combinado,
Ou seja, os cem reais,
Porque o havemos rifado;
Mil reais arrecadamos
Pelo burro que compramos
E o negócio está fechado.
Disse o caboclo avexado:
- Como é que vão entregar
Ao sortudo dessa rifa,
Que levou o grande azar
De ter da sorte o conforto,
Ganhando um burro morto
Que não pode mais urrar?
Um deles, após pagar,
Foi dizendo satisfeito:
- Nós fizemos um negócio
Legalmente e perfeito;
Ao ganhador devolvemos
O que dele recebemos,
E nada vai ser desfeito.
Conforme a lei e o direito,
O restante nos pertence
Pois o mundo é dos vivos
E só quem é vivo vence;
Seja o jegue enterrado,
Já que viveu emburrado,
Alheio ao mundo forense.
O leitor que me dispense,
Não quero ser condenado
Pelo fato de escrever
Em mal humor humorado;
Nem o burro está ileso,
Suportou de Cristo o peso
Para no fim ser rifado.
Não foi ele injustiçado
De tudo quanto eu supus,
Já que o pobre jumento
Carrega o sinal da cruz
Nas costas e bem traçado,
Porquanto ali foi mijado
Pelo menino Jesus.