Quem apanha nunca esquece. Autores: Damião Metamorfose & Eduardo Viana.
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D.M
Quando Deus abre as cortinas
que a inspiração aparece.
A gente escuta palavras
que o mais sábio desconhece.
E esses novelos de versos
a mente desvenda e tece.
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E,V
A justiça prevalece
Nem que seja com atraso.
Quem faz aqui paga aqui,
Nunca fica no descaso.
E recordando um passado
Vamos narrar esse caso.
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Nada é obra do acaso,
Nem existe por engano.
Colhemos o que plantamos
Seja lucro, perda ou dano.
Posso ser anjo ou demônio
Isso é a lei do soberano!
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Lá num recanto baiano
Perto de Jeremoabo,
Residia um lavrador
Que cultivava quiabo.
E este tinha um menino
Mas ruim de que o diabo.
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Seu pai se dizia: brabo
Em casa, fora, um fiasco.
Mas para a esposa e filhos
Sempre foi rude e carrasco.
Talvez por isso o menino
Cresceu sem medo de um casco!
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Andava pelo penhasco
Atirando em passarinho,
Tinha prazer de matar
Principalmente no ninho.
E assustava as pessoas
Se escondendo no caminho.
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Do pai não tinha carinho,
Cedo perdeu sua mãe casta.
Foi rejeitado e humilhado
Nas mãos da bruxa madrasta.
Por isso nas travessuras
Tinha a imaginação vasta!
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E ninguém lhe dava um basta
Naquela vida perversa.
Pra fazer a coisa certa,
Só fazia a coisa inversa.
A ninguém dava atenção
Com sua mente dispersa.
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Não gostava de conversa
E tinha poucos amigos.
Vivia se escondendo,
Buscando novos abrigos.
Talvez de tanto apanhar,
Perdeu o medo dos castigos.
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Desafiava os perigos
Lá da sua região.
Amansava burro brabo,
Prendia boi no mourão.
Tirava enxu sem fumaça,
Era forte igual Sansão.
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Sempre mostrou vocação
Na arte da montaria.
E na doma de animais
Desde cedo já sabia
Que era o que Ele gostava
E o que de melhor fazia!
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Na redondeza existia
Um poldro manifestado
Que dava coice e mordia,
Vivia sempre azogado.
A vizinhança dizia:
-Ninguém amansa o danado!
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Domadores de outro Estado
Vieram para a Bahia.
Até quem cobrava caro
De graça se oferecia.
Mas quem conseguiu montar
Em pouco tempo caia.
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Muita gente aparecia
Pra ver montador na lama.
Era montando e caindo
Como se fosse uma trama.
A história do cavalo
Foi adquirindo fama.
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Vou deixando a vaqueirama
Que teve um triste destino.
Pra falar um pouco mais
daquele jovem franzino.
Que estava se preparando
para montar no equino!
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Ele não "batia pino"
Nem era de "farrapar".
Fosse a parada que fosse
Não era de enjeitar.
Bruto igual canto de cerca,
Arisco feito um jaguar.
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Conhecido no lugar
como visgo e carrapato.
Pois grudava no animal
e exagerava em maltrato.
Mas gostava que o chamassem
pelo seu nome de fato!
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Seu nome era Zé do Tato
Porque pegava tatu.
E tinha uma tatuagem
Na parte do mucumbu.
Além disso tinha tática
E gostava de tutu.
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Facheiro, mandacaru,
Macambira ou juremal...
Num assustava Zé do tato
Quando domava um animal.
Por outro lado o cavalo
Em questão, era infernal!
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Fosse no canavial,
Macambira, unha de gato
Com chuva, sol ou sereno;
Fosse na rua ou no mato
Não existiu quem tirasse
Afama de Zé do Tato.
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Uns chamaram de ingrato
Pela forma de domar.
Pois Ele descia o relho
E não parava de esporar.
Se o animal não cedesse
Batia até aleijar!
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Um dia foi amansar
Um tal cavalo cabano.
Pertencente a ele mesmo,
Que trocou cm um cigano.
Chicoteou o cavalo
Causando-lhe um grande dano.
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O ato foi tão insano,
Grosseiro e sem piedade.
Que o boato se espalhou
Fora da comunidade.
Pra quem já tinha a má fama
Provou dizerem a verdade!
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Vejam que barbaridade
Que neste instante alego,
Zé com chicote de couro
Fez o que eu não congrego.
Deu na cara do cavalo
Que deixou um olho cego.
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Isto eu confirmo e não nego,
Porque sei que Zé do tato
Exagerava na espora,
Cipó, chicote, mau trato...
E a frase que mais usava
Era: Ou amansa ou te mato!
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Assim como um insensato
Ele açoitou o cavalo.
Vazando um olho do pobre,
O chicote dando estalo.
Pois pra domar animal
Ele cantava de galo.
*
Para o Zé era um regalo,
Bater em um animal.
Quanto mais brabo ele fosse,
Mais manso deixava o tal.
Mas até então não tinha
Sido tão descomunal.
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Numa noite de natal
Perto da linha do trem,
Num forró de gafieira
Zé conheceu um alguém.
Começou a namorar
Foi aquele xem - em - em.
*
Zé com o tempo também
Deixou de ser domador.
Passou a se dedicar
Ao campo e ao novo amor.
E o cavalo foi vendido,
Pra um haras de Salvador.
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Pelo andar do andor
Esse namoro cresceu.
A paixão foi aumentando
E o Zé só no jubileu.
Atendendo a namorada
Do cavalo se esqueceu.
*
O amor dos dois cresceu
E o casório foi marcado.
Gente de Jeremoabo
E até de fora do Estado
Foi chamado, e no convite
Pedia pra vir montado!
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Veio até o delegado
Montado num alazão.
Fizeram uma cavalgada
Cheia de animação.
E Zé do Tato feliz,
Com tanta badalação.
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Deixando a celebração
Eu volto um pouco ao passado.
Para falar do cabano
Que teve o olho vazado.
E foi vendido pra um haras...
Mas voltou pro povoado!
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O alazão foi comprado
Por um tal João da Carqueja,
Que com o velho Odraúde
Vieram tomar cerveja,
Pedro Pereira Pintado
Tava pintando a Igreja.
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Enquanto o tempo rasteja
Mais lento que uma criança
O Zé do tato ganhou
Um bom dinheiro de herança.
Com ele comprou cabano
Pra ir montado à festança!
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Ligeiro feito uma lança
Pinotou no animal.
Partiu para o casamento,
Chegando no arraial
Foi amarrar o cavalo
Numa estaca do curral.
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Afrouxou o peitoral
E as duas cias da sela.
Passou por traz do cavalo
Sem ter medo e nem cautela.
Pensou um pouco na vida
E adentrou na capela!
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E a noiva toda bela
Por Zé do tato esperando.
E cavalo amarrado
Lá de fora observando.
Com um olhar compenetrado
E os olhos lacrimejando.
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Os convidados chegando
Pra ver o Zé se casar
Uns de pé outros sentados,
E as piadinhas no ar.
-Esse é o domador que deixa
Uma mulher lhe domar?
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E o povo a gracejar
Andando fazendo círculo;
E o cavalo calado
Achando aquilo ridículo,
Deu um coice em Zé do Tato
Que arrancou um testículo.
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Caiu, bateu num veiculo
Que estava estacionado
Com o impacto frontal
Teve um olho vazado.
Agora além de caolho
Zé também ficou capado!
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- Eu agora estou vingado!
Era o cavalo pensando...
Como quem tava sorrindo
Ficou para Zé olhando.
Aí soltou um relincho
Como quem tava mangando.
*
Não vou dizer onde e quando
Essa história aconteceu.
Os nomes dos personagens
O autor também protegeu.
E a vingança não compensa
Para ninguém, creio eu!
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Hoje em dia já morreu
O cavalo; e Zé do Tato.
A noiva morreu também,
Ficou somente o boato.
Ficou as almas penadas
Vagando naquele mato.
*
Fim.