Quem apanha nunca esquece. Autores: Damião Metamorfose & Eduardo Viana.

*

D.M

Quando Deus abre as cortinas

que a inspiração aparece.

A gente escuta palavras

que o mais sábio desconhece.

E esses novelos de versos

a mente desvenda e tece.

*

E,V

A justiça prevalece

Nem que seja com atraso.

Quem faz aqui paga aqui,

Nunca fica no descaso.

E recordando um passado

Vamos narrar esse caso.

*

Nada é obra do acaso,

Nem existe por engano.

Colhemos o que plantamos

Seja lucro, perda ou dano.

Posso ser anjo ou demônio

Isso é a lei do soberano!

*.

Lá num recanto baiano

Perto de Jeremoabo,

Residia um lavrador

Que cultivava quiabo.

E este tinha um menino

Mas ruim de que o diabo.

*

Seu pai se dizia: brabo

Em casa, fora, um fiasco.

Mas para a esposa e filhos

Sempre foi rude e carrasco.

Talvez por isso o menino

Cresceu sem medo de um casco!

*

Andava pelo penhasco

Atirando em passarinho,

Tinha prazer de matar

Principalmente no ninho.

E assustava as pessoas

Se escondendo no caminho.

*

Do pai não tinha carinho,

Cedo perdeu sua mãe casta.

Foi rejeitado e humilhado

Nas mãos da bruxa madrasta.

Por isso nas travessuras

Tinha a imaginação vasta!

*

E ninguém lhe dava um basta

Naquela vida perversa.

Pra fazer a coisa certa,

Só fazia a coisa inversa.

A ninguém dava atenção

Com sua mente dispersa.

*

Não gostava de conversa

E tinha poucos amigos.

Vivia se escondendo,

Buscando novos abrigos.

Talvez de tanto apanhar,

Perdeu o medo dos castigos.

*

Desafiava os perigos

Lá da sua região.

Amansava burro brabo,

Prendia boi no mourão.

Tirava enxu sem fumaça,

Era forte igual Sansão.

*

Sempre mostrou vocação

Na arte da montaria.

E na doma de animais

Desde cedo já sabia

Que era o que Ele gostava

E o que de melhor fazia!

*

Na redondeza existia

Um poldro manifestado

Que dava coice e mordia,

Vivia sempre azogado.

A vizinhança dizia:

-Ninguém amansa o danado!

*

Domadores de outro Estado

Vieram para a Bahia.

Até quem cobrava caro

De graça se oferecia.

Mas quem conseguiu montar

Em pouco tempo caia.

*

Muita gente aparecia

Pra ver montador na lama.

Era montando e caindo

Como se fosse uma trama.

A história do cavalo

Foi adquirindo fama.

*

Vou deixando a vaqueirama

Que teve um triste destino.

Pra falar um pouco mais

daquele jovem franzino.

Que estava se preparando

para montar no equino!

*

Ele não "batia pino"

Nem era de "farrapar".

Fosse a parada que fosse

Não era de enjeitar.

Bruto igual canto de cerca,

Arisco feito um jaguar.

*

Conhecido no lugar

como visgo e carrapato.

Pois grudava no animal

e exagerava em maltrato.

Mas gostava que o chamassem

pelo seu nome de fato!

*

Seu nome era Zé do Tato

Porque pegava tatu.

E tinha uma tatuagem

Na parte do mucumbu.

Além disso tinha tática

E gostava de tutu.

*

Facheiro, mandacaru,

Macambira ou juremal...

Num assustava Zé do tato

Quando domava um animal.

Por outro lado o cavalo

Em questão, era infernal!

*

Fosse no canavial,

Macambira, unha de gato

Com chuva, sol ou sereno;

Fosse na rua ou no mato

Não existiu quem tirasse

Afama de Zé do Tato.

*

Uns chamaram de ingrato

Pela forma de domar.

Pois Ele descia o relho

E não parava de esporar.

Se o animal não cedesse

Batia até aleijar!

*

Um dia foi amansar

Um tal cavalo cabano.

Pertencente a ele mesmo,

Que trocou cm um cigano.

Chicoteou o cavalo

Causando-lhe um grande dano.

*

O ato foi tão insano,

Grosseiro e sem piedade.

Que o boato se espalhou

Fora da comunidade.

Pra quem já tinha a má fama

Provou dizerem a verdade!

*

Vejam que barbaridade

Que neste instante alego,

Zé com chicote de couro

Fez o que eu não congrego.

Deu na cara do cavalo

Que deixou um olho cego.

*

Isto eu confirmo e não nego,

Porque sei que Zé do tato

Exagerava na espora,

Cipó, chicote, mau trato...

E a frase que mais usava

Era: Ou amansa ou te mato!

*

Assim como um insensato

Ele açoitou o cavalo.

Vazando um olho do pobre,

O chicote dando estalo.

Pois pra domar animal

Ele cantava de galo.

*

Para o Zé era um regalo,

Bater em um animal.

Quanto mais brabo ele fosse,

Mais manso deixava o tal.

Mas até então não tinha

Sido tão descomunal.

*

Numa noite de natal

Perto da linha do trem,

Num forró de gafieira

Zé conheceu um alguém.

Começou a namorar

Foi aquele xem - em - em.

*

Zé com o tempo também

Deixou de ser domador.

Passou a se dedicar

Ao campo e ao novo amor.

E o cavalo foi vendido,

Pra um haras de Salvador.

*

Pelo andar do andor

Esse namoro cresceu.

A paixão foi aumentando

E o Zé só no jubileu.

Atendendo a namorada

Do cavalo se esqueceu.

*

O amor dos dois cresceu

E o casório foi marcado.

Gente de Jeremoabo

E até de fora do Estado

Foi chamado, e no convite

Pedia pra vir montado!

*

Veio até o delegado

Montado num alazão.

Fizeram uma cavalgada

Cheia de animação.

E Zé do Tato feliz,

Com tanta badalação.

*

Deixando a celebração

Eu volto um pouco ao passado.

Para falar do cabano

Que teve o olho vazado.

E foi vendido pra um haras...

Mas voltou pro povoado!

*

O alazão foi comprado

Por um tal João da Carqueja,

Que com o velho Odraúde

Vieram tomar cerveja,

Pedro Pereira Pintado

Tava pintando a Igreja.

*

Enquanto o tempo rasteja

Mais lento que uma criança

O Zé do tato ganhou

Um bom dinheiro de herança.

Com ele comprou cabano

Pra ir montado à festança!

*

Ligeiro feito uma lança

Pinotou no animal.

Partiu para o casamento,

Chegando no arraial

Foi amarrar o cavalo

Numa estaca do curral.

*

Afrouxou o peitoral

E as duas cias da sela.

Passou por traz do cavalo

Sem ter medo e nem cautela.

Pensou um pouco na vida

E adentrou na capela!

*

E a noiva toda bela

Por Zé do tato esperando.

E cavalo amarrado

Lá de fora observando.

Com um olhar compenetrado

E os olhos lacrimejando.

*

Os convidados chegando

Pra ver o Zé se casar

Uns de pé outros sentados,

E as piadinhas no ar.

-Esse é o domador que deixa

Uma mulher lhe domar?

*

E o povo a gracejar

Andando fazendo círculo;

E o cavalo calado

Achando aquilo ridículo,

Deu um coice em Zé do Tato

Que arrancou um testículo.

*

Caiu, bateu num veiculo

Que estava estacionado

Com o impacto frontal

Teve um olho vazado.

Agora além de caolho

Zé também ficou capado!

*

- Eu agora estou vingado!

Era o cavalo pensando...

Como quem tava sorrindo

Ficou para Zé olhando.

Aí soltou um relincho

Como quem tava mangando.

*

Não vou dizer onde e quando

Essa história aconteceu.

Os nomes dos personagens

O autor também protegeu.

E a vingança não compensa

Para ninguém, creio eu!

*

Hoje em dia já morreu

O cavalo; e Zé do Tato.

A noiva morreu também,

Ficou somente o boato.

Ficou as almas penadas

Vagando naquele mato.

*

Fim.

Damião Metamorfose e Eduardo Viana
Enviado por Damião Metamorfose em 31/03/2014
Código do texto: T4751470
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