UM PORRE LÁ NO JAPÃO

I

Mudo, eu peço à Musa

Que me inspire outra vez

Para contar em cordel

Verdade em toda a nudez;

Sei que aos leitores eu devo

Ser sério no que escrevo,

Sem garantir ser cortês.

II

Vou explicar a vocês

Porque a gente tanto erra,

Como acontece comigo,

Desde que estou nesta Terra;

Sem fé em balança ou régua,

Quase sempre amarro a égua

Lá onde o cabrito berra.

III

Subo ao alto da serra

E rolo abaixo nos rios,

Como uma cobra jiboia

Que desliza nos baixios;

Qualquer inútil entreter

Faço até pra inglês ver,

Porém fico a ver navios.

IV

Foi suando calafrios

Que saí duma Boate,

Esquentado pelo vinho,

Numa noite de arremate;

Na porta vi uma senhora,

Perguntei a ela a hora

Sem notar o disparate.

V

A embriaguez deste Vate,

Fato público e notório,

Eu curtia lá em Tokio,

Já no céu sem purgatório,

Sem me lembrar do Japão,

Achando-me um pimpão

Num boteco ou no empório.

VI

Foi meu momento inglório,

Pois eis que um cavalheiro

Afastou de mim a dama

E me expulsou do terreiro;

Dali eu saí seminu,

Gritando “Garigatu”,

Pelo chute no traseiro.

VII

O meu Japão brasileiro

Não terminou por aí

E eu me vendo na rua

A um guarda recorri,

Indagou-me o endereço,

Eu lhe informei com apreço

Que era um hotel logo ali.

VIII

Atrás dele eu segui,

Mas estaquei de repente

Para perguntar a um cara,

Parado na minha frente,

Se eu saía ou chegava,

Ele espantado me olhava

E disse algo sorridente.

IX

O que ouvi foi claramente

Uma frase familiar,

Que não entendi de todo,

E o guarda pôs-se a explicar

Que aquele moço moreno

Era um turista romeno

Que vivia a viajar.

X

Eu fiquei a matutar

No que o cara tinha dito:

"Esti un beat brazilian "

Soava um tanto esquisito,

Mas depressa eu entendi

E ali na esquina eu vi

O que nem mesmo acredito.

XI

Uma moça deu um grito

Nos braços de um rapaz,

Que a agarrava com força,

E eu quis ser eficaz

No aparte daquela “briga”,

Mas eis que a rapariga

Fez logo o que não se faz.

XII

Saiu caminhando em paz

De mãos dadas com o moço,

Após muito me xingar

Com escândalo e alvoroço,

Cujos termos, do Francês,

O guarda com polidez

Traduziu-me curto e grosso.

XIII

Eis que aturdido eu ouço

O meu guia japonês

Falar-me com galhardia

E ousada altivez:

- Preste atenção e escute:

“Vous êtes un fils de pute”

Disse ela com sensatez.

XIV

Em que pese a embriaguez,

Contive-me o bastante,

Seguindo atrás calado,

Mas eis que logo adiante

Despertou-me nova cena

Um louro e uma morena,

Num papo alegre esfuziante.

XV

Vi e ouvi aquela amante

Cochichar àquele bruto,

Quando o casal se voltou

Com ar sério muito astuto

E, apontando para mim,

Falou o cabra algo assim:

“Un brasiliano cornuto”.

XVI

O japonês resoluto

Falou-me: - É um italiano

Com a mulher brasileira,

Que vem quase todo ano

Passar as férias aqui;

Outro casal nunca vi,

Amando-se mano a mano.

XVII

Vi outro casal "hermano”

Numa praça e, gentil,

Saudei a bela espanhola

E ouvi do amado senil:

“La gloria no se divide

Y el brasileño se olvide

Nuestro gigante Brasil”.

XVIII

Graças ao guia gentil,

O japonês timoneiro,

Cheguei às portas do hotel

E ele recusou o dinheiro

Que eu insistia em lhe dar

Por seu trabalho exemplar,

Entregando-me ao porteiro.

XIX

Não notei um brasileiro

Diante da lareira em brasa

E perguntei às paredes,

Como em queda de asa:

“Eu bebi e perdi a hora

E como é que eu faço agora

Para achar a minha casa?”

XX

A justiça sempre atrasa

E até hoje ninguém viu

A verdade derrotada...

Se espreguiçando sorriu

O irmão e, desta vez,

Eu ouvi em Português:

- Vá pra puta que o pariu!