PASSEATA
De repente, brotaram nas ruas
Desceram prédios inteiros
Gerentes, secretárias, porteiros
Vieram santas e quase nuas
Covarde sentiu-se valente
Miss disputou com o sem dente
Quem iria ficar mais à frente
Fizeram espontânea aliança
Seguiram de braços dados
Patrões e desempregados
Soltando grito entalado
Acordando a vizinhança
De gravata e esfarrapado
Era o povo mandando recado
Fim da fila nunca termina
Na passagem de cada esquina
Dezenas, centenas, milhão
Da Paulista a Consolação
Sul, Norte, Nordeste, Minas
Santos, Piracicaba, Campinas
Grande centro, longínquo grotão
Cerveja esquecida nos bares
Solitária a novela nos lares
O cinema parou a sessão
O luar acendeu seu clarão
Sem temer notas erradas
Vozes quase sempre caladas
Harmonizaram uníssono refrão
Pedidos de melhor condução
Amenizar o diário calvário
Poderem chegar no horário
Não perderem seu mínimo salário
Ouvi sobre segurança e habitação
Eu me lembrei do que pude
Gritei mais educação e saúde
Nó apertando o coração
Filho ouviu no sorriso do pai
Você vai ver! Agora, vai...
É só esperar a eleição
Mas, se aberta a apuração
Na realidade nada mudar?
Ficar mesmo cheiro no ar?
Vai ser uma tapa na cara
Tanta gente gritando na praça
Continuar a mesma desgraça
Restará recolocar a mordaça
Pouco adiantará ficar uma vara
Dizer que está de saco cheio
Ou então que o trem tá feio
Seguirão estrelas e coronéis
Sem alarde, qualquer tropel
No pastoreio de seus fiéis
E quem sonhou ver novo céu
Voltar à realidade da televisão
Caminhar olhando pro chão
Mais um silente na multidão