FOGO DE LAMPARINA
FOGO DE LAMPARINA
Silva Filho
Não sou bardo afamado
Não componho as elites
Tenho estro conformado
Dentro de certos limites;
Vou fazendo meu estrado
Sendo sempre desprezado
Em matéria de convites.
Sou assim sem eloqüência
Sou volúvel sem querer
Gosto da impertinência
Ou de zombar do saber;
Não me atrai a conivência
Com essa tal de ciência
Que deixa o mundo morrer.
Não entendo da doutrina
Que dizem “democracia”
Não conheço a medicina
Que cure qualquer “Maria”;
Não dispenso a cafeína
Quando vejo na esquina
Fogo, sangue - artilharia.
Não conheço deputado
Muito menos presidente
Quem ocupa o Senado
Ou prefeito competente;
Vivo aqui no meu roçado
Sem água, pasto nem gado
Qual espectro de gente.
Não conheço a comida
Que mitiga nossa fome
E escola bem assistida
Que ao pobre dê um nome;
Nem bom projeto de vida
Dando a devida guarida
A quem não tem sobrenome.
Não conheço o dinheiro
Que atende por “imposto”
E sumiu por um bueiro
Deixando aqui só desgosto;
Não conheço conselheiro
Nem agente, nem banqueiro
Que se diga meu preposto.
Só conheço a campina
Dentro da simplicidade
Quem vive aqui nem atina
Pro progresso da cidade;
Quando o caboclo opina
Fica que nem lamparina
Enfrentando tempestade.