Pior cordelista do mundo foi tentar a vida em São Paulo

Como vocês sabem, coleciono poesias ruins. Tenho de todas as espécies, incluindo o trabalho daquele poeta escocês, tão ruim que as pessoas lhe pediam para recitar seus poemas apenas para vê-lo ser escarnecido pela plateia. Maldade escocesa que eu não recomendo. "A poesia dele é tão ruim que se torna memorável", disse Nial Scott, diretor da City of Discovery Campaign, que gravou parte das poesias do William Topaz McGonagall, morto em 1902. O escocês ganhou reconhecimento póstumo por ter dedicado sua vida à arte da poesia horrível. Eu presto meu pleito de reconhecimento a esses artistas ainda em vida.

Recentemente, tive o prazer de conhecer o poeta cordelista Erinaldo Melo cujo trabalho se destaca pela inexpressividade aparente. Os poemas em cordel seguem regras de métrica e rima inescapáveis, sem elas não se faz um cordel. O poema, para ser um cordel, deve obedecer a uma estrutura poética fixa, com poucas variações de métrica e rima. O cordel de Erinaldo Melo não tem rima nem métrica e sofre de forte crise de limeirismo, lembrando o repentista Zé Limeira, rimador de versos sem pé nem cabeça, mas aí é onde está o nó: no futuro, quem sabe se algum decodificador de obras primas insuspeitas não vai finalmente ver no cordel de Erinaldo um valor que está hoje oculto? O próprio Zé Limeira já foi considerado o precursor da poesia moderna, ele que nem sabia assinar o nome. A falta de talento do menestrel Erinaldo para a rima e a métrica fechada, a ausência de ritmo, tudo isso pode ser considerado um avanço, um modernismo na arte de compor poesia cordelesca. Portanto, a obra do poeta Melo fica entre a genialidade e a mediocridade absoluta.

Não é minha intenção escarnecer nem humilhar o poeta. O que eu quero mesmo, e isso disse ao próprio, é criar um handcap para, quem sabe, dar visibilidade ao seu trabalho na luta inglória que esse Dom Quixote das letras nordestinas empreende pelas terras paulistas. É que meu compadre Idalmo da Silva, amigo do poeta, me informou que ele viajou para São Paulo em busca de reconhecimento, tentando ganhar a vida vendendo seus folhetos nas ruas da paulicéia desvairada, morando em um asilo, sofrendo fome, frio e desprezo como todo gênio incompreendido que se preze.

“Se você não é o melhor, que seja o pior, porque assim aparece também”, acredita o torcedor do Íbis Futebol Clube, considerado o pior time do mundo, saindo de sua humilde condição saco de pancada do futebol pernambucano para a fama mundial. Veja o caso do escocês: mais de cem anos depois de morto, ele ainda é homenageado em sua terra, por ter sido medíocre além da conta. Espero que nenhum advogado de porta de cadeia venha atiçar o poeta pra ele me processar por crime contra a honra e a privacidade. Porque o poeta é um homem público, ele mesmo gostadorzinho de uma promoçãozinha, não vai se encabular com nossos pontos de vista. Trata-se aqui de crítica literária.

Afinal, ser o pior poeta de cordel não é pra qualquer um não. Abaixo, uma mostra do trabalho de Erinaldo Melo:

Todos bichos parceiros

O ganso lerdo quá-quá

A preguiça dá estresse

Chave inglesa vem cá

Macaco vai te ajudar

A coruja acolá.

Uno somos carbono

A ciência afirma:

“...tu ao pó voltarás”.

Energia anima

Criatura divina

Filosofia rima.

Buzinarás bããã!!

Uns deixarás passagem:

Bombeiro, ambulância

E catam reciclagem

De ondas multicores

Sons relevam paisagem.

A estampa avião

Céu azul, o garoto:

--- Ixi, voa tão lindo!

Conserte olhar torto

Veja mais de perto

Há um aeroporto.

Bem vindo a Recife

Azul imenso tranchã

Praia Boa Viagem

No rio Catamarã

O galo cocoricó

O bem-te-vi amanhã.

Atento meta o pé

Segunda e terceira

--- Êh mundão intrigoso!

Natureza inteira

Beleza fascinante

E a brisa ordeira.

Tchau, um grande beijo

No asfalto macio

Coração dum! Calado!

Máquina arrepio

Em marcha avançada

100 HP no cio.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 07/12/2013
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