ROSINHA ÀGUA E SABÃO.
Eu sempre fui dessas banda
Lugar que conheço bem
Pois daqui e bote léguas
Eu conheço também
Eu sou filho do mato
Sou matuto do pé chato
Sou comedor de xerem.
Sou filho da terra bruta
Sou fruto pobre da terra
Vivo de arado em punho
Morador de pé de serra
Sou feito de pau a pique
Sou cachaça de alambique
Sou bezerro que não berra.
Mais não era de um todo azedo
Feito giló a granel
Apreciava uma moda
Gostava de ler cordel
E pra animar meu drama
Visitava mulher dama
Nas penumbras de um bordel.
Mais nunca fui de gostar
Nunca senti paixão
Pois dessas coisas de amor
Não tinha no matulão
Eu era como um cacará
Não era flor de cheirar
Eu só cheirava a sertão.
Foi guando assim sem querer
Me agachando avistei
Por entre as cercas de vara
Uns quatro suspiros dei
Vendo a beleza maciça
De uma morena roliça
Danousse, me apaixonei.
Me apaixonei num relâmpago
Feito estouro de trovão
Espiando a caboclinha
No rio com água e sabão
Vestida em sianinha
Era a matuta Rosinha
Sedosa flor do sertão.
Como é que pode o destino
Me levar a tais batalhas
No coração de um girico
Botar um par de cangalhas
Carregadas de leveza
Como um casal de burguesa
Sem ter sinal e nem falhas.
Rosinha dos cabelos soltos
Escuros fio por fio
Me fazia arrepiar
Sem precisar sentir frio
Era como uma tentação
Rosinha água e sabão
Lavando roupa no rio.
Sem ela me ver nem ouvir
Eu arrisquei um pedido
Se tu quiser vou a feira
Te compro o melhor vestido
Para quem te perguntar
Tu responder sem piscar
Quem me deu foi meu marido.
Rosinha mais parecia
Com uma santa lavadeira
Esfregando seus milagres
Purificando a sujeira
Que corria água a baixo
Nas pedras ali do riacho
Ela era a padroeira.
Pensei em cantar pra ela
Uma moda, um repente
Ser sanfoneiro famoso
Ou um vaqueiro valente
Mais o meu carro de boi
Não se moveu e nem foi
Eu tava todo dormente.
Fiz bico de assoprar vela
E assobiei bem baixinho
Cantei pra minha canária
Como faz o canarinho
Na copa do umbuzeiro
Rosinha ascendia um cheiro
De jasmim pelo o caminho.
Ela não tava me vendo
Naquele ataque de amor
Não sabia que um matuto
Bruto sem nenhum valor
Foi pego desprevenido
Do sino ouviu o tinido
De um badalar sonhador.
Me apaixonei foi verdade
Mais não confessei a paixão
Fiquei ali enfiado
Feito estaca no chão
Rosinha era trovoada
Descendo como enxurrada
Chovendo no meu verão.
Quanto mais eu espiava
Mais queria confirmar
Que o amargo da jurubeba
Ficou doce pra daná
Virou fruta de consumo
E as águas do rio um sumo
E Rosinha o meu pomar.
Ah Rosinha minha viola
Minha flor de mussambê
Se eu fosse dono das serras
Dos lajedos e ipê
Dava ordem imediata
Pra que as cigarras da mata
cantassem só pra você.
E depois da cantoria
Um revoar de andorinha
Trazendo flores no bico
Por uma encomenda minha
A tua testa rodeasse
Tua cabeça coroasse
Te fazendo de rainha.
Fiquei ali acocorado
Assuntando a belezura
De beicinhos encarnados
Emanador de doçura
fechando os olhos parecia
Que dos seus lábios escorria
O caldo da rapadura.
E guando ela olhou pra o céu
Pra suspirar o cansaço
Eu pude ver seus olhinhos
Da mesma cor do mormaço
Por baixo da minha aba
Olhinhos de jaboticaba
Jaboticabando o espaço.
Por entre as cercas de vara
Por onde tive a visão
Fui batizado de amor
Fui de ateu pra cristão
Me virei num penitente
Fiquei o crente mais crente
Por Rosinha água e sabão.
Foi assim a minha paixão
Me derramei em desejo
Sem abraçar nem falar
Sem se quer sentir um beijo
Gravei tudo entre as folhagens
Nós dois como personagens
De um romance sertanejo.