O MATUTÊS - POR FAVOR

O MATUTÊS - POR FAVOR.

Silva Filho

Desembarcou no Brasil

Um gringo endinheirado

Com todo seu corpanzil

Chegou pra ser respeitado;

Pra fazer investimentos

Procurou os rudimentos

Dum país não desbravado.

Percorreu todo o país

Norte a sul, de leste a oeste

Amazônia por um triz

Mas preferiu o Nordeste;

No agreste castigado

Ou no sertão despojado

Conheceu cabra da peste.

Cabra da peste é o caboclo

O homem trabalhador

Pode parecer um louco

(o doutor do interior);

Falar inglês nem pensar

Se for para conversar

O matutês - por favor.

O gringo mui preparado

Bem conhece agricultura

Mas pro caboclo - é coitado

Poupe aqui sua cultura;

Se o assunto é lavoura

Pepino não é cenoura

Camponês não quer frescura.

Para o norte-americano

Conversar era preciso

Os nativos têm o plano

Estrangeiro é indeciso;

Pois que se comece agora

Este papo sem demora

Pra não perder o juízo.

Para mim “to see” é ver

Disse o gringo espritado

“Tussi” pra mim é verter

O catarro entalado;

O campônio tem versão

Que vai servir de lição

Pra visitante pirado.

“To be” pra mim é estar

Arriscou o americano

“Tubi” aqui nem pensar

Decretou nego baiano;

Se você é excelência

Não venha com saliência

Se não entra pelo cano.

Que tal falar em “to like”

Se “laiskados” nós estamos

Falei do verbo GOSTAR

Para ver se melhoramos;

Com “to do” mando fazer

Com “to can” tenho poder

Vamos ver se avançamos.

Vamos comer “fast food”

Espero ser entendido

Porque frito não é “good”

Pode dar mal-entendido;

Idioma diferente

“Food” não é indecente

Mas deixa o cabra perdido.

De noite é “good night”

De manhã é “good morning”

O refrigerante é “light”

Volume do rádio é “tone”;

Amor é um tal de “love”

Qualquer pomba se diz “dove”

Ser herói é “Al Capone”.

Do inglês pro matutês

Vossimicê é Senhor

Couro de gente é a tez

Bóia-fria é lavrador;

Tigela na roça é cuia

Ir pro brejo é cucuia

Tabaqueiro é fumador.

Vaqueiro usa gibão

Fere o animal com espora

Mormaço vira trovão

Valei-me Nossa Senhora;

Mede estrada com a légua

Dirige bem uma égua

Pedaço de pau é tora.

Remédio é casca de pau

Misturado é comida

Pra criança é mingau

O porre vem da batida;

Se a batida é da polícia

O cabra que tem malícia

Tem também uma saída.

Dormitório é alcova

O poço raso é cisterna

Folha de juá é escova

Todo buraco é caverna;

O testículo não é ovo

Se falar no meio do povo

Nunca mais terá esperma.

Anteontem é três-ontonte

Saudação é cuma vai

Pinguela vale uma ponte

Quando chove a ponte cai;

O nariz do povo é venta

Toda casa tem jumenta

É assim que se distrai.

Menino novo é neném

Toda mocinha é Maria

Muito andar é vai-e-vem

Todo filhote é uma cria;

Toda festa é matinê

Onde está? diga cadê

Solteirona é titia.

A bebida é vinho tinto

Pra beber usa caneca

Tira de sola é o cinto

Samba-canção é cueca;

Saliência é dormir juntos

E quando os filhos são muitos

(Tenha dó da perereca).