Adivinha quem sou eu.
Vivo na periferia
Num castelo de madeira
Trabalhando duramente
De segunda a sexta feira
Eu transformo sua vida
Porém a minha esquecida
Fica lá na derradeira
Fiz diversas faculdades
Mas ainda não sei lê
Nunca usei a caneta
Porque não escrever
Mas sei que fiz coisa boa
Pro patrão e pra patroa
E provarei pra você
Sou um bom profissional
Mesmo não sabendo lê
Faço rua faço ponte
E o lar pra tu viver
No sol quente igual a fogo
A Deus fazia meu rogo
Pra me livrar de morrer
Ajudei a construir
A ponte rio Niterói
Uma imagem de cristo
Para abençoar nós
Mas depois de tudo feito
Fui mostrar pra o prefeito
Que não ouviu minha voz
Fiz uma estrada comprida
Que se chama rio Bahia
Trabalhava a noite toda
E descansava de dia
De segunda a sexta feira
Sabadão ia pra feira
Comprar uma melancia
Pois o calor era tanto
E agua não se achava
Eu chupava uma talhada
Quando a sede apertava
E pegava a picareta
Pá enxada e a marreta
E cavadeira pra cava
Construí muitas sarjetas
Para viver meu colega
Que não é vivo nem morto
E que tem a visão cega
Porque ninguém reconhece
Nem conforto o oferece
Só acha apoio no brega
Fiz uma ponte espraiada
Fiz também o planetário
Fiz castelo pra princesa
E a casa de Romário
O prédio da bienal
Que é lugar divinal
Pra quem ganha bom salario
Fiz a estação de trem
Que vai na periferia
Quanto mais eu trabalhava
Mais fraqueza eu sentia
Fiquei mole igual espuma
Porque a minha coluna
Vertebral comprometia
Nunca fui na bienal
Porque não posso pagar
Entrei lá pra construí
Hoje nem sei o lugar
E a casa de Romário
Que recebe bom salario
Eu não posso nem olhar
La em bom jesus da lapa
Pra que tem religião
Fiz a igreja na rocha
Com muita satisfação
Perto do rio são Francisco
Que não oferece risco
Para aquela região
Mas vou assisti a missa
Com a minha cara lisa
No portão um segurança
Brutamente me avisa
Tu aqui não pode entrar
Pois o papa aqui esta
E rasga minha camisa
Eu sem saber o motivo
Daquele aborrecimento
Nenhuma coisa concreta
Vinha no meu pensamento
E o guarda me revela
Isso aqui não é favela
Pra suportar fedorento
Fiz prédio lá em Brasília
Que é uma coisa linda
O prédio dos três poderes
Também a casa da dinda
Fiz a casa de Pelé
Mas digo aqui e dou fé
Que tô vivendo na pinda
Ajuntei todo entulho
Do velho Carandiru
Fiz prédios que denomina
Tal de CDHU
Fiz a casa da princesa
E uma grande represa
Que se chama Itaipu
Botei paralelepidos
Na cidade do nordeste
Também poço artesiano
Num calor quente da peste
Trabalhava e trabalhava
Meu patrão me maltratava
Para eu passar no teste
Padre Cicero de Romão
Eu fiz toda a imagem
Quando fui no Ceará
Trabalhando de passagem
E pra não correr perigo
Não faço nem um pedido
Porque não tenho coragem
Hoje ando todo torto
Cheio de hérnia discal
Não aguento trabalhar
Não compro mais nem o sal
Porque é triste meu lema
Este meu triste problema
Na coluna vertebral
A coluna vertebral
É toda sustentação
Do corpo do vertebrado
Que faz movimentação
E se tiver ruptura
Nem a melhor criatura
Voa nem pisa no chão
Hoje quase aleijado
Sobrevivo de favores
Torto feito berinbau
E sentindo muitas dores
Fico a me lamentar
Para a dona do meu lar
Dona Maria Dolores
Sem revelar quem eu era
Por não saber quem eu sou
Revelo para mendigo
Revelo para doutor
Que não posso revelar
Pois pode tu não gostar
E por mim não ter amor.
E aqui finalizando
Esse caso surreal
Vou deixar para ser lido
Até por irracional
Que quem erra sempre falha
Corta igual a navalha
e para nós é normal.
Porque aquilo que temia me sobreveio; e o que receava me aconteceu.
Jó 3:25