NÃO ME MATE MAMÃEZINHA!
I
Lhe peço minha mãezinha
Não me tire de seu ventre
Pois já sonho, comovido
Dias de alegria ardente
Com a cabeça em teu colo
E muito amor entre a gente.
II
Eu posso não ter nascido
Mas tenho um coração
Tenho espírito, incumbido
Para outra encarnação
Lhe rogo, aqui, encolhido,
Mamãe, não me mate não!
III
Serei em tua velhice
O amparo filial
Será minha meninice
Teu pendor celestial
Quem dera, teu peito ouvisse
O meu pranto sem igual.
IV
Não! pare minha mãezinha
O que estais a fazer?
Nesta clínica mesquinha
Me impedirás de nascer
Oh que triste sorte a minha
Despedaçado morrer.
V
Te abristes antes da hora
Vejo o instrumento brutal
Que me perfura, e a Senhora
Com anestésico local
Vira o rosto, nesta hora
Da minha angústia fatal.
VI
Já não posso respirar
Teu útero foi perfurado
Em espasmos, a lutar
Sou pela pinça alcançado
Vão meu corpinho arrancar
Porém todo estraçalhado.
VII
Por último, minha cabecinha
Foi pela pinça puxada
Oh que grande dor a minha
Mamãe, como és malvada
A minha vida inteirinha
Numa lixeira é jogada.
VIII
Voltarei a ser anjinho
Te perdoo, sei que posso
Tua alma em desalinho
Carcomida de remorso
Pranteará o filhinho
Que Deus quis que fosse vosso.
IX
Eu podia ter nascido
E a senhora me dar
E um casal, enternecido
Poderia me adotar
Eu cresceria esclarecido
Conjugando o verbo amar.
X
Agora está consumado
Jesus tenha piedade
Deste teu ato pensado
Com egoísmo e maldade
Que um dia será pesado
Na balança da verdade.
Thomas Saldanha, Natal 26 de outubro de 2013.