UM DISCURSO APERREADO
Um folheto vislumbrei
Queimando em um mourão
Apiancei o desastrado
Nele jogando um torrão
Quase que sentei na jaca
À luz de uma piraca
E não salguei o pirão.
Folgazei num supetão
Só que caí no barreiro
Safou-me um espoleta
De vereda no aceiro
No fogaréu escaldando
Sendo assado e afiançando
Tive em mãos um granadeiro.
Desabou um aguaceiro
Trazendo a cruviana
Trepei na carrapateira
E me sentei na banana
Por ter metido a língua
Eternizei-me na míngua
A cantar chupando cana.
Fugi e montei na grana
Não fui mais acavalado
Nem senti o meu dói-dói
Tornei-me gato pingado
Deixei de ser sanguangu
Vesti casco de tatu
Pra não ser bode amarrado.
Um dia eu fui pebado
Também fiquei jururu
Só que sonso nunca fui
Nem tampouco baiacu
Detesto o abiloado
Nada encontrei ingiado
Quando abri meu baú.
Sou sapo-boi, não aru
Adoro até bagulhão
Que me acode na disgrama
E cura meu esturrão
De ninguém eu acho pouco
E não faço ouvido mouco
À dama que quer fonção.
Defendo-me com um lascão
Sempre que estou entojado
Se alguém me arretar
Cantando moirão trocado
Eu faço um limatão
E envio um picão
Para o cabra enganchado.
Saboreio um bocado
No meu traje de gibão
E improviso uma milonga
Vou ao forró de bicão
Abraço uma pirulito
Feia e boca de pito
Porque não sou um bundão.
Trago porém um tição
No meu peito e a coruja
Nele pousa toda noite
E por mais que dela eu fuja
Mandando-a para os quintos
Ela sempre agarra os pintos
E sobrevoando-me suja.
Amor nunca enferruja
Também não se estrumbica
O que adora duas caras
A bodejar sempre fica
Quem não cumpre a juração
Deixa o beijo da traição
Qual a praga tiririca.
A vida é muito rica
E o vivente não tem glória
Rouba o manto do irmão
Destroça sua memória
Por uma estrada de sangue
Chega à encruzilhada exangue
Findando a trajetória.
Certa vez li uma história
Que eu não esqueço mais:
Morreu a fêmea do cisne
E o macho murchou em ais
Recusando todo afago
Pereceu junto do lago
Sem nunca nadar jamais.