DESAMPARO
DESAMPARO
J.B.Xavier
Me diga lá o sinhô
Que parece inteligente,
Do que adianta a gente
Tê diploma de dotô?
Prá que cursá facurdade,
Aprendê tanta equação,
Se por dentro o coração
Se rói de tanta mardade?
Prá que conhecê História,
Medicina, coisa e tar,
Se desaprende de amar
Correndo atrás de uma glória?
Pois eu, que aqui sô chegado
Lá do mato, pé no chão,
Eu tenho mais coração
Que muito dotô formado!
Com estas mão calejada,
Acaricio as crianças,
Que quase sem esperanças
Sente fome, nas carçada...
Já aquelas mão refinada,
De veludo, como as rosa
Gesticulam toda prosa
Dando a maior esnobada...
Seu dotô me exprique então
Por que que depois que estuda,
E se elege, esquece a ajuda
Que teve aqui do povão?
Eu sô cabra que não minto,
Digo na cara e no ato
Não me disfarço de rato,
E vô dizendo o que sinto!
Mas mesmo sendo assim rude,
Sô sincero cas pessoa,
Não gosto de quem magôa
De quem mente ou quem ilude.
Eu acho é que morrerei
Dizendo aqui pro sinhô
Que se formô em dotô
Mas não aprendeu o que sei.
Sei nada do tar de juro!
Sei nada de economia!
Só sei que no fim do dia
Continuo o mesmo duro!
Sei que não tenho emprego
Mas sei que prá trabaiá
Só sendo intelectuá,
Prá consegui um arrêgo!
Também sei que vou morrê
De fome, frio e sem teto
E carecendo do afeto
Que esperei de você.
Vou subi na construção
De ferro frio, de cimento,
E lá vô senti o vento
A me tocá o coração.
Cos otros colegas seus,
Lá embaixo tá o sinhô,
Mas eu lá no arto, dotô,
Tô mais pertinho de Deus!
* * *