LENDA DO SACI-PERERÊ

“Saci-Pererê duma perna só

Pitou no cachimbo da minha vó.”

Conta-se que no sertão,

Em noite de ventania,

Arrebentou-se um bambu

E dum seu gomo saía

Um molequinho pelado,

Negrinho e endiabrado,

Era o Saci que nascia.

Pulando numa só perna

Com o cachimbo na boca,

Seu negrume realçava

O vermelho de sua touca;

Montava em pêlo cavalos,

Saltando cercas e valos,

Numa correria louca.

Fazia trança nas crinas

E emaranhava os rabos,

Seu assobio nos campos,

Deixava os animais brabos;

Adentrando-se nas casas,

Do fogão espalhava brasas,

Assim aprontava os diabos.

O fogo ele assoprava

Faiscando num clarão,

Esturricava o arroz

E queimava o feijão;

A criançada fugia,

Quando ele ao vento fazia

Redemoinhos no chão.

Quem sobre o redemoinho

Lançasse uma peneira

De taquara trançada

Com uma cruz na esteira,

Prenderia o peraltinha,

Mas coragem ninguém tinha

Para agir dessa maneira.

Rezou-se aí uma novena

E o povo pediu urgente

Socorro a são Benedito,

Que atendeu prontamente;

Foi e achou o Saci rindo,

No sertão se divertindo

Às custas da pobre gente.

Censurou o santo em vão

O bagunceiro perneta

Para não fazer mais artes,

Porquanto ele fez careta

E, para maior espanto,

Zombou ainda do santo,

Dando uma pirueta.

O santo não perdoou

Tamanha desfaçatez,

Agarrando o Saci,

Vejam só o que ele fez:

Pendurou-o pela perna

Na entrada da caverna

E lá o deixou de vez.

Da estrada o transeunte

Escuta a voz do Saci,

Conforme o sertanejo,

De quem o caso eu ouvi,

Um dia, no meu passado,

Deixando-me assustado

Tanto que não esqueci.

Alguém que vai até lá

Na certa ouve o grito

Do Saci dependurado,

Que pede socorro aflito,

Bradando: - Ei, você aí,

Por favor, traga-me aqui

Meu amigo Benedito!