CONFUSÃO NO VELÓRIO
I
Pouco antes do pôr-do-sol
Eu vesti um novo terno
Porque estava imbuído
De sentimento fraterno,
Fui visitar a vizinha
Que viúva ficado tinha
Naquela tarde de inverno.
II
Disse-lhe: - Eu me consterno
Pelo triste ocorrido,
Os meus pêsames lhe dou
E o faço condoído,
Sem delongar esta prosa,
Pela perda dolorosa
De seu saudoso marido.
III
Sei o quanto era querido
O seu finado esposo,
Honrado e trabalhador
E a todos generoso,
Porém assim é a vida,
Triste é sua partida,
Muito estou pesaroso.
IV
Naquele caixão lustroso,
Vi meu vizinho deitado,
Gente chegando e saindo
E a viúva ali do lado
Com sentimento imenso,
Nos olhos passava o lenço,
Pois muito tinha chorado.
V
Depois do abraço apertado,
Falei-lhe: - Eu também vim
Recomendar que na tumba
Se escreva um letreiro assim:
Aqui Jaz Quem Soube Honrar
A Pureza De Um Lar
E Cuja Morte Pôs Fim.
VI
Isso é triste para mim,
Pois ele era estimado,
Mas que há de se fazer
Se o destino está marcado?
Hoje é um amigo meu,
Amanhã pode ser eu
Quem irá ser sepultado.
VII
Estava sendo guardado
Ali na sala o morto,
Saí e voltei mais tarde
No maior do desconforto,
A noite ia avançada,
Já era de madrugada
E o pessoal todo absorto.
VIII
À viúva fui dar conforto
Em um aposento ao lado,
Ela me abraçou chorando
Num soluço entrecortado,
Com ar de entristecida,
Falou-me de sua vida
Que até me deixou chocado:
IX
- Meu marido era um safado,
Ainda bem que morreu,
Porque agora estou livre
Para ser somente eu;
Ele com seu novo terno,
Que vá abraçar no inferno
A esposa de Asmodeu.
X
Não sabe o que perdeu,
Deixando-me viúva nova,
Mas enquanto ele estiver
Apodrecendo na cova,
Para você, meu vizinho,
Eu darei todo carinho
Que só com amor se prova.
XI
Nada há que me reprova,
Pois ele era um fingido,
Fui fiel a este traste
Bagunceiro e bandido;
Rezei bastante, eu falo,
Só não consegui salvá-lo
Porque já estava perdido.
XII
Digo mais: O meu marido
Era um sujeito malvado,
Todo o seu romantismo
Há muito tinha acabado;
Onde é que já se viu
Aquele baita pavio
Ficar sempre apagado?
XIII
Chegava embriagado,
Pulava em cima de mim
Que já estava trajada,
Tal como flor carmesim;
Era um subir e descer,
Só me fazia ferver
Para esfriar no fim.
XIV
Ele sempre foi ruim,
Carinho nunca me deu,
Para mim negava tudo
E exigia o que era seu;
A nossa lua de mel
Foi-me um amargo fel,
Brutalmente me perdeu.
XV
Aos poucos me esqueceu,
Foi levando sua vida
Entre uma mulher e outra
Mescladas com a bebida;
Enquanto ele arruaçava
E qualquer quenga amava,
Eu ia sendo iludida.
XVI
Nunca fui mulher fingida,
A verdade eu lhe digo,
Sei que aqui não fica bem,
Mas calar eu não consigo;
Falo, afirmo e insisto
Que só estou contando isto
Por você ser meu amigo.
XVII
Ela falava comigo
Em um quartinho ao lado,
De repente aquele povo
Estava alvoroçado,
Fui ver o que acontecia
E o morto vivo eu via,
Como que ressuscitado.
XVIII
Esse cabra desgraçado
Nem para morrer prestava,
Contraiu uma doença
Do tipo que não matava,
É a tal catalepsia,
Sofreu uma paralisia
Que uma morte aparentava.
XIX
O pessoal todo pensava
Que uma vida dissoluta
Tinha levado à morte
A monstruosa fera bruta,
Mas teve sorte o danado,
Só ficou desacordado
E ainda venceu a luta.
XX
Esse filho da astuta
Não estava morto é nada,
Recebeu só uma visita
Dessa doença malvada;
Parecendo que morreu,
Numa tarde adormeceu
E acordou de madrugada.
XXI
Foi uma cena engraçada
O que ocorreu no salão,
Aquela gentalha toda
Fugindo na confusão,
Um no outro tropeçava,
Mulherio desmaiava
Se estatelando no chão.
XXII
Saído de seu caixão,
O defunto estava em pé,
Morrera e ressuscitara
Porque tinha muita fé,
E disse ainda: - Eu ouvi
O que foi falado aqui
Sobre mim o que não é.
XXIII
Depois disso eu vou até
Agarrar um traidor
Que finge ser meu amigo
E por mim não tem amor;
Ele trouxe e vai levar,
De volta irá carregar
Uma coroa de flor.
XXIV
Senti um grande pavor,
Entretanto disfarçava
Do meio do povaréu
E de olho nele estava;
Com bastante sutileza,
Tive logo a certeza
Que de mim ele falava.
XXV
Perguntou onde se achava
A sua esposa tão bela,
Foi abrindo uma gaveta
E tirou de dentro dela
Um enorme garruchão,
Eu saltei sobre o caixão
E pulei pela janela.
XXVI
Dei meu adeus para ela
Com um aceno de mão,
Risquei o macho na espora
E sumi no estradão;
Na primeira encruzilhada,
Disse um prece apressada,
Pedindo a Deus perdão.
XXVII
Boa volta meu irmão!
Eu fui capaz de dizer;
Para mim você não passa
De um desmancha-prazer,
Eu não vou levar saudade,
Só volto a esta cidade,
Se um dia você morrer.
I
Pouco antes do pôr-do-sol
Eu vesti um novo terno
Porque estava imbuído
De sentimento fraterno,
Fui visitar a vizinha
Que viúva ficado tinha
Naquela tarde de inverno.
II
Disse-lhe: - Eu me consterno
Pelo triste ocorrido,
Os meus pêsames lhe dou
E o faço condoído,
Sem delongar esta prosa,
Pela perda dolorosa
De seu saudoso marido.
III
Sei o quanto era querido
O seu finado esposo,
Honrado e trabalhador
E a todos generoso,
Porém assim é a vida,
Triste é sua partida,
Muito estou pesaroso.
IV
Naquele caixão lustroso,
Vi meu vizinho deitado,
Gente chegando e saindo
E a viúva ali do lado
Com sentimento imenso,
Nos olhos passava o lenço,
Pois muito tinha chorado.
V
Depois do abraço apertado,
Falei-lhe: - Eu também vim
Recomendar que na tumba
Se escreva um letreiro assim:
Aqui Jaz Quem Soube Honrar
A Pureza De Um Lar
E Cuja Morte Pôs Fim.
VI
Isso é triste para mim,
Pois ele era estimado,
Mas que há de se fazer
Se o destino está marcado?
Hoje é um amigo meu,
Amanhã pode ser eu
Quem irá ser sepultado.
VII
Estava sendo guardado
Ali na sala o morto,
Saí e voltei mais tarde
No maior do desconforto,
A noite ia avançada,
Já era de madrugada
E o pessoal todo absorto.
VIII
À viúva fui dar conforto
Em um aposento ao lado,
Ela me abraçou chorando
Num soluço entrecortado,
Com ar de entristecida,
Falou-me de sua vida
Que até me deixou chocado:
IX
- Meu marido era um safado,
Ainda bem que morreu,
Porque agora estou livre
Para ser somente eu;
Ele com seu novo terno,
Que vá abraçar no inferno
A esposa de Asmodeu.
X
Não sabe o que perdeu,
Deixando-me viúva nova,
Mas enquanto ele estiver
Apodrecendo na cova,
Para você, meu vizinho,
Eu darei todo carinho
Que só com amor se prova.
XI
Nada há que me reprova,
Pois ele era um fingido,
Fui fiel a este traste
Bagunceiro e bandido;
Rezei bastante, eu falo,
Só não consegui salvá-lo
Porque já estava perdido.
XII
Digo mais: O meu marido
Era um sujeito malvado,
Todo o seu romantismo
Há muito tinha acabado;
Onde é que já se viu
Aquele baita pavio
Ficar sempre apagado?
XIII
Chegava embriagado,
Pulava em cima de mim
Que já estava trajada,
Tal como flor carmesim;
Era um subir e descer,
Só me fazia ferver
Para esfriar no fim.
XIV
Ele sempre foi ruim,
Carinho nunca me deu,
Para mim negava tudo
E exigia o que era seu;
A nossa lua de mel
Foi-me um amargo fel,
Brutalmente me perdeu.
XV
Aos poucos me esqueceu,
Foi levando sua vida
Entre uma mulher e outra
Mescladas com a bebida;
Enquanto ele arruaçava
E qualquer quenga amava,
Eu ia sendo iludida.
XVI
Nunca fui mulher fingida,
A verdade eu lhe digo,
Sei que aqui não fica bem,
Mas calar eu não consigo;
Falo, afirmo e insisto
Que só estou contando isto
Por você ser meu amigo.
XVII
Ela falava comigo
Em um quartinho ao lado,
De repente aquele povo
Estava alvoroçado,
Fui ver o que acontecia
E o morto vivo eu via,
Como que ressuscitado.
XVIII
Esse cabra desgraçado
Nem para morrer prestava,
Contraiu uma doença
Do tipo que não matava,
É a tal catalepsia,
Sofreu uma paralisia
Que uma morte aparentava.
XIX
O pessoal todo pensava
Que uma vida dissoluta
Tinha levado à morte
A monstruosa fera bruta,
Mas teve sorte o danado,
Só ficou desacordado
E ainda venceu a luta.
XX
Esse filho da astuta
Não estava morto é nada,
Recebeu só uma visita
Dessa doença malvada;
Parecendo que morreu,
Numa tarde adormeceu
E acordou de madrugada.
XXI
Foi uma cena engraçada
O que ocorreu no salão,
Aquela gentalha toda
Fugindo na confusão,
Um no outro tropeçava,
Mulherio desmaiava
Se estatelando no chão.
XXII
Saído de seu caixão,
O defunto estava em pé,
Morrera e ressuscitara
Porque tinha muita fé,
E disse ainda: - Eu ouvi
O que foi falado aqui
Sobre mim o que não é.
XXIII
Depois disso eu vou até
Agarrar um traidor
Que finge ser meu amigo
E por mim não tem amor;
Ele trouxe e vai levar,
De volta irá carregar
Uma coroa de flor.
XXIV
Senti um grande pavor,
Entretanto disfarçava
Do meio do povaréu
E de olho nele estava;
Com bastante sutileza,
Tive logo a certeza
Que de mim ele falava.
XXV
Perguntou onde se achava
A sua esposa tão bela,
Foi abrindo uma gaveta
E tirou de dentro dela
Um enorme garruchão,
Eu saltei sobre o caixão
E pulei pela janela.
XXVI
Dei meu adeus para ela
Com um aceno de mão,
Risquei o macho na espora
E sumi no estradão;
Na primeira encruzilhada,
Disse um prece apressada,
Pedindo a Deus perdão.
XXVII
Boa volta meu irmão!
Eu fui capaz de dizer;
Para mim você não passa
De um desmancha-prazer,
Eu não vou levar saudade,
Só volto a esta cidade,
Se um dia você morrer.