NEGRINHO DO PASTOREIO

No Estado do Rio Grande,

Da região sul do Brasil,

Triste fato aconteceu

Sob o céu cor de anil

Com um negrinho escravo,

Cuja sorte foi tão vil.

No tempo da escravidão,

Todo um povo se dobrava

Para servir ao Senhor

Que nunca se contentava

E tirava até o sangue

De uma gente tão brava.

Bandeira verde amarelo,

Azul branca, não ostenta

O negro da noite escura,

Nem o vermelho apresenta,

Por ser este a cor do sangue

De uma raça opulenta.

Tantas mães perderam filhos

E quantos filhos sem pai,

Separados dos irmãos,

Ninguém lhes ouvia um ai;

Hoje temos um consolo:

Esse tempo longe vai.

Só que a história registra

Casos dos mais escabrosos,

De pobres negros sofrendo

Nas mãos de patrões maldosos,

Tanto que lhes conto um caso,

Tendo meus olhos chorosos.

No Rio Grande do Sul,

Estado deste Brasil,

Hoje ainda é lembrado

Debaixo do céu de anil:

Negrinho do Pastoreio,

Teve ele um destino vil.

O filho do estancieiro

Do seu próprio pai roubou

O potro mais valioso

E uma venda simulou:

O cavalo puro sangue

A um guapo entregou.

Ao pai, o malvado filho,

Denunciou o pastoureiro*

Que por desleixo teria

Descuidado do potreiro,

Por isso alguém roubara

O pingo lá do celeiro.

Seu senhor não duvidou

Da estória do filhinho,

E aos peões ordenou

Surrar o pobre Negrinho,

Mandando-o campo afora

À procura do potrinho.

Noite e dia ele vagou

Sob o frio do Minuano

E não encontrando o potro

Aquele Senhor Tirano

Deu-lhe um novo castigo,

Mais cruel e desumano.

Com o seu corpo untado

Pelo adocicado mel,

Preso sobre um formigueiro,

Padeceu a dor cruel,

E coberto de formigas

Dormiu e acordou no céu.

Eu que sou também escravo

Do meu próprio coração,

Comparo-me ao Negrinho,

Que viveu na escravidão

E apanhava todo dia

Por ordem de seu patrão.

Estou sendo açoitado,

Como foi o bom Negrinho,

Dei amor e recebi

Traição no meu caminho,

Se Ele procura o potro,

Eu só busco um carinho.

Igual ao Negrinho escravo,

Eu trago aprisionado

No peito meu coração,

Que bate acelerado

Pelo amor de uma bela,

Por quem eu fui cativado.

Em busca do amor eu vou,

Sem descanso, noite e dia,

E se não o encontrar

Não terei mais alegria,

Mas ao Negrinho eu peço

Socorro nesta agonia.

Ele não achou o potro,

Por isso perdeu a vida,

Como não quero morrer,

Espero a mulher querida

Que venha cicatrizar

No meu peito a ferida.

Entre linhas eu contei

A vocês uma história

Do meu protetor Negrinho,

Que hoje vive na glória

E haverá de estar comigo

Numa nova trajetória.

Enquanto o gaúcho quer

À boiada reunido

O boi que arribou no campo,

Abro o coração ferido,

E que nova flor ocupe

O lugar do amor perdido.

Negrinho do Pastoreio

Foi mártir da crueldade,

Injustiçado morreu

Sem ter a felicidade

De achar o belo potro

Que se escondeu na maldade.

Num adeus de esperança,

Eu agradeço agora,

Primeiramente a Deus,

Depois a Nossa Senhora,

Em seguida ao Negrinho

Que do mundo foi embora.

Quero que ele me traga

O amor que eu perdi,

Pois que de mim foi roubado

No dia que mais sofri;

Obrigado, bom Negrinho,

Ela está vindo ali...

*Variante em função da rima. Aliás, é bom que se diga que o texto contém ainda palavras e expressões de cunho regionalista.