Eu li uma carta
Li a carta da menina
Simples correspondência
Feita com inteligência
Pela mão tão pequenina
“Cumpro minha triste sina
De viver pelo agreste
Chão rachado do Nordeste
Que não vinga a plantação
Até mesmo assombração
Passa longe desta peste”
Fiquei muito estarrecido
Mas continuava lendo
Cada linha, descrevendo
Aquele povo sofrido
“Poucos ouvem o gemido
De quem vive no Sertão
Maior parte da nação
Não enxerga a paisagem
Seca pela estiagem
Também por corrupção
Apesar dos pesares
Minha família está bem
Comparado com alguém
Que perdeu seus hectares
Tem ainda alguns lares
Onde a fome bate a porta
A vaquinha está morta
O boi não se levanta
Ah! Quem dera se uma planta
Brotasse em minha horta
Minha mãe olha pra serra
E não vê a esperança
Ela aguarda a bonança
Que não nasce nesta terra
Mais um ano se encerra
E a chuva não desaba
Continua a seca braba
Engolindo o açude
Mais um pouco a saúde
Do meu povo se acaba
O moço lá da venda
Já não vende mais fiado
Meu pai está atrasado
Tomara que ele entenda
Vou pra escola sem merenda
Mas com fome de aprender
Vou ser doutora ao crescer
Pra cuidar da minha gente
E mostrar que mesmo quente
Aqui é bom de se viver”
Ela terminou a carta
Com uma bela gravura
Esqueceu-se da secura
Desenhou uma horta farta
Meu Deus! Que vida ingrata
Tanta gente na piscina
E a coitada da menina
Tendo triste experiência
Relatando a convivência
Com a seca assassina
Eu vivo no Sudeste
Porém fico solidário
A quem sofre esse calvário
Denominado agreste
Candidato cafajeste
Aparece em eleição
Prometendo solução
Com mentiras geniais
Vai desde mananciais
Até a transposição
Deus proteja a menina
Esse é o meu desejo
Assim como o sertanejo
Mesmo com a chuva fina
Sua fé nunca termina
Também mande correção
Pro governo charlatão
Quando os homens do Congresso
Dar entrada no recesso
Tirar férias no Sertão
P S ASSIS