CONVERSA FIADA




CONVERSA FIADA
Silva Filho


Nunca vi segundo prato
Ter o gosto do primeiro
Nunca vi quem tem unheiro
Com o pé em um sapato;
Nunca vi cair o gato
Batendo as costas no chão
Nunca vi u’a confusão
Como houve em Babel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.

Nunca vi um condenado
Que pretenda ser detento
Nem um juiz desatento
Deixar bandido trancado;
Nunca vi um esfomeado
Comer com educação
Nunca vi qualquer moção
Pra salvar algum vergel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.

Nunca vi pelas correntes
Descendo choros e mágoas
E não vi em outras águas
O que vi pelas nascentes;
Nunca vi plantar sementes
Sem abrir cova no chão
Não vi pinga com limão
Que tenha gosto de mel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.

Nunca vi um sanfoneiro
Que não goste de cachaça
Nunca vi mulher devassa
Recusar um bom dinheiro;
Nunca vi no meu terreiro
Alguém bancar o valentão
Nunca vi dançar baião
Por ordem de Coronel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.


Nunca vi bom trovador
Desgarrado do repente
Nem um cantador silente
Quando tem um grande amor;
Nunca vi qual é a cor
Do que chamam de paixão
Nunca vi no meu colchão
Mulher que se diz revel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.

Nunca vi longe de casa
Quem está desconfiando
E quem esteve sonhando
Acordar pegando em brasa;
Nunca vi a água rasa
Servir pra navegação
Também não vi garanhão
Que não goste de motel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.


Nunca vi pagar promessa
Quem promete em campanha
Nem deixar a artimanha
Quem no crime já começa;
Nunca vi alguém ter pressa
Como tem o charlatão
Pra transformar o ladrão
Em um herói com laurel
Nunca vi um Menestrel
Que não tenha um refrão.