Peleja entre satanás e o arcanjo Gabriel
O diabo numa peleja,
com o arcanjo Gabriel,
tocou fogo no cordel
bem defronte da igreja;
Bebeu o vinho de mesa
do monsenhor, o vigário,
a quem chamou de otário,
na hora da homilia,
chigando a virgem Maria
com chulo vocabulário.
O chifrudo, salafrário,
soltando fogo na venta,
com a língua saburrenta
e seu olhar sanguinário,
recitou, pelo contrário,
o Pai-nosso e ave-Maria,
maldisse a noite e o dia
que Jesus Cristo nasceu,
e, por cima, inda comeu
as hóstias da sacristia.
Na hora da eucaristia,
blasfemou sua ofensa,
e tudo o mais o que pensa,
à plebe que o assistia.
Cuspiu no rumo da pia
onde fica a água benta,
fez uma cara nojenta,
de quem tem nojo de tudo,
e vomitou, o chifrudo,
azedo que nem pimenta.
A golfada fedorenta
barrufou o ambiente.
que até o cristão mais crente
esqueceu da oferenda.
Deu prejuízo na renda
do banco paroquial,
que é um pecado mortal,
acima dos mandamentos:
Negar ao clero os proventos
na folha salarial.
Satanás se achando o tal,
com toda sua heresia,
enquanto o padre benzia
os lucros do capital,
começou a falar mal
do arcanjo Gabriel
e do sagrado papel
de Antônio e Benedito,
do jeito que havia dito
nos seus versos de cordel:
Benedito é do pau oco!
Antônio, o casamenteiro,
por dez contos, em dinheiro,
ou, até, por mais um pouco,
quase ele fica louco,
ao fazer o casamento
duma freira de convento
com um padre beneditino.
Sob as bençãos do divino,
cobrou os seus dez por cento.
Profanou os juramentos
e toda consagração,
esculhambou o cristão,
tabém os dez mandamentos,
pois os seus ensinamentos,
conforme a sua visão,
foi plágio da lei do cão,
na versão celestial:
os alicerces do mal
inda hoje em contrução.
Gabriel ouviu calado
como todo santo faz!
Olhou para satanás
com olhar santificado!
Num martelo agalopado,
como um real menestrel,
acompassou seu cordel,
de rima metrificada
e com a voz afinada,
mostrou o quanto é fiel.
__Te acautela satanás,
que foste anjo de luz!
No coração de Jesus
todo mundo vive em paz:
O que julga ser capaz
de ser maior do que Deus;
os gigantes filisteus,
os maus e bons corações,
os fiéis das procissões...
e até mesmo os ateus.
__Te acautela fariseu,
pois eu sou bom repentista,
faço dupla, como artista,
Junto com Bartolomeu.
Tanto ele, como eu,
em qualquer um cafundéu,
seja no inferno ou no céu,
paraíso ou purgatório,
não importa o auditório,
pro outro tira o chapéu.
__Vai-te para o cafundéu,
pois judas perdeu a bota,
e te deixou uma cota
da prova de que foi réu,
e te outorgou o troféu
de churrasquinho de bar.
E nós vamos te queimar
no inferno brasileiro,
na brasa de fogareiro,
até o fogo apagar.
Como diz são Ribamar:
Satanás virou freguês.
E a sua pequinês,
é fácil de reparar:
tem uma rima vulgar
e de tão baixo calão,
que até a mãe do cão,
a megera do inferno,
mandou-lhe fazer um terno
pra primeira comunhão.
O diabo virou cristão,
um novo lucifererário,
ajudante de vigário
e revisor de sermão;
Além de fazer plantão
feito guarda de quartel,
parou de fazer cordel;
Hoje faz apologia
à santíssima maestria
do Arcanjo Gabriel.
Inda ganhou um Nobel,
de sacra literatura,
com uma enorme brochura,
sobre a torre de babel.
Também ganhou o pincel,
que pintou a Pietà,
compôs Allegretto em Fá,
talhou um novo Moisés,
sem gastar nem um só réis
dos cofres de Jeová.