MANGAS JASMIM DE ITAMARÁ

Essa estória se deu

Lá em Itamaracá

No ano mil e seiscentos

Trinta e um, nesse lugar

Pertinho da Paraíba

Algumas léguas de ida

Andando na beira-mar.

Foi lá que aconteceu

Essa aventura de amor

D. Sancha e Albuquerque

Contar pra vocês eu vou

Porém preparem os lenços

Que o clima é muito tenso

Talvez lhe cause pavor.

Mas de entrada eu lhe digo

Que nem tudo nesta vida

Acontece por acaso

Por isso ela lhe convida

A viver conforme for

Viva a vida com amor

Jamais a dê por vencida.

Mas vamos deixar de papo

E essa lenda contar

Aconteceu em Recife

Na ilha Itamaracá

Filha de agricultor

Homem de grande valor

Era o maior do lugar.

O seu pai João Paulo Vaz

De sobrenome Coutinho

Um grande senhor de engenho

Orgulhoso e mesquinho

D. Sancha, moça bela

Quinze anos tinha ela

E um futuro em desalinho.

Ele um moço muito belo

Filho da Capitânia

Província da Paraíba

Vinte anos já fazia

Desde que ele nasceu

O destino escreveu

Seu amor na tumba fria.

Falemos naquele jovem

Moço calmo e afeiçoado

Porém de família simples

Na Paraíba criado

Sob o sol das belas praias

Ágil como uma jandaia

Corpo esbelto e bronzeado.

Numa de suas viagens

Conheceu a D. Sancha

E logo se encantou

Ficou cheio de esperança

De desposá-la um dia

Pois aquele olhar faria

Aumentar suas andanças.

Depois que a conheceu

Por ela se apaixonou

E para o Pernambuco

Albuquerque se mudou

Em Recife foi morar

E perto dela estar

Doidinho de amor ficou.

D. Sancha era bonita

Muito alegre e faceira

Porém muito reservada

Não cometia asneira

Era moça de respeito

Foi educada direito

Com ninguém era grosseira.

E por vezes percebeu

Albuquerque rodeando

A fazenda de seu pai

Olho cumprindo espiando

Mas fingia não ter visto

Pois sabia o reboliço

Se o pai a visse olhando.

Pois o senhor João Coutinho

Não queria ouvir falar

De pretendente pra filha

Que nunca ia casar:

- Eu não criei com trabalho

Filha para espantalho

Safado nenhum levar!

Mas você já ouviu falar

Que coração de quem ama

Escuta alguma coisa?

Além da voz que lhe chama

Do coração da amada

Que grita amargurada:

- Lute e mostre sua fama!

Foi isso que Albuquerque

Apressado foi fazer

Percebeu que D. Sancha

Também lhe tinha affair

Pro Engenho Andirobeira

Seguiu quase na carreira

Com seu Coutinho foi ter.

E chegando ao Engenho

Encontrou seu João Coutinho

Sentado lá no alpendre

Tomando café sozinho

Ele entrou de Supetão

E foi dizendo: - Seu João,

Eu moro aqui vizinho.

- E vim aqui lhe pedir

De sua filha a mão

Para com ela casar

Pois eu lhe tenho paixão

Peço respeitosamente

E se o senhor me consente

É dela meu coração.

João Coutinho nessa hora

Procurou terra no chão

E disse: - Cabra safado

Sem vergonha, pobretão,

Suma já da minha frente

Seu mendigo indigente

Senão eu lhe sento a mão!

Coitado de Albuquerque

Ficou tão desnorteado

E viu que o seu amor

Era fato consumado

Saiu dali muito triste

(inda bem que tu não viste)

Os olhos de desgraçado.

Daquele dia em diante

Viu-se em tristeza profunda

Temendo não aguentar

Sua vida moribunda

Resolveu ir p’ um recanto

Afogar na guerra o pranto

E a paixão que o inunda.

A província Paraíba

Sua terrinha Natal

Estava sendo invadida

Numa ruína total

Pelas forças holandesas

E à Coroa Portuguesa

Precisava ser leal.

Os holandeses queriam

Lá naquela região

O forte de Cabedelo

Era grande a guarnição

Porém ele defendia

Aquelas terras que um dia.

Tinha-lhe estendido à mão.

Lutou com os holandeses

E saiu vitorioso

E de “mendigo indigente”

Um general grandioso

Lutou pela sua gente

Muito digno e coerente

Sutil, hábil e cauteloso.

E passados alguns anos

Pra Pernambuco seguiu

E o general Albuquerque

Levando a tropa e o fuzil

Foi guerrear no Arraial

Do Bom Jesus, e afinal

Caiu por terra o gentil.

Ferido por uma bala

Ficou a beira da morte

Mas o destino do homem

Que entregue a própria sorte

Carregando sua cruz

Quem o protege é Jesus

E o faz de novo forte.

E escapando da morte

Volta a ser cidadão

Igual aos seus conterrâneos

Sem Bandeira nem Brasão

Que lhe assombre o peito

E agora homem feito

Toma rumo e direção.

Pois os desígnios de um homem

Só a Deus é quem compete

Daquele dia em diante

Sua vida ele inverte

Ao Senhor entrega a sina

Mas o amor da menina

Gruda nele igual chiclete.

Mas deixemos Albuquerque

Com suas dores de amor

Vamos pra Andirobeira

Onde a pequena ficou

Chorando por seu amado

Com o peito amargurado

Ferido e cheio de dor.

Quando Sancha descobriu

Que seu pai tinha botado

Albuquerque pra correr

De lá tinha escorraçado

Ficou ferida de morte

E lamentava que a sorte

Nunca estava ao seu lado.

Caiu em grande tristeza

E vivia a chorar

Pela casa e maltrapilha

Dia e noite sem parar

Lamentava seu destino

Ficava em desatino

Soluçava sem parar.

E passados alguns anos

Nunca mais ouviu falar

Naquele jovem rapaz

Que queria desposar

E para desgosto seu

Depois que seu pai morreu

Foi com um irmão morar.

Mas o destino cruel

Uma peça preparou

Para o coração de Sancha

Dolorido de amor

Sem que ela esperasse

A esperança renasce

No seu peito sofredor.

Pois passados treze anos

De amargura e tormento

De dois corações que eram

Pura tristeza e lamento

O destino assim o fez

E Albuquerque outra vez

Visita o sofrimento.

Certo dia em Recife

D. Sancha ouve falar

Da chegada de um rapaz

E ficou a escutar:

-Ele veio do estrangeiro

Moço humilde, cavalheiro,

Que ao povo veio ajudar.

E sentiu naquela hora

Palpitar seu coração

As lembranças de outrora

Acendeu-lhe a paixão

Lembrou de um amor ausente

Que se foi tão de repente

E chorou de comoção.

Mas logo ela descobriu

Com um imenso pesar

Se tratar do Padre Aires

E saiu a caminhar

Lembrando do seu passado

De um amor acabado

Saiu ela a lamentar.

E no domingo seguinte

O sol nasceu diferente

D. Sancha pôs vestido

E caminhou indolente

Nos arredores de casa

Com o coração em brasa

E pressentiu um vivente.

E viu se aproximar

Um moço alto e forte

Mas D. Sancha estava

Entregue a própria sorte

Deu meio volta e entrou

E na sala se sentou

Como quem espera a morte.

E fechando os seus olhos

Ficou a imaginar

Sua vida com Albuquerque

Longe daquele lugar

E a visão de um rapaz

Que lhe disse: - moça a paz

Do Senhor eu vim lhe dar!

D. Sancha deu um pulo

Tomou um susto danado

E quando abriu os olhos

O viu de pé ao seu lado

Fitou os olhos do moço

E naquele alvoroço

Achou que tinha sonhado.

E para sua surpresa

Reconheceu no olhar

Sentiu um nó na garganta

E um soluço brotar

Os olhos do seu amado

Igualzinho ao passado

Ficou ela a fitar.

Porém a sua alegria

Aos poucos vai acabando

D. Sancha baixa os olhos

O seu sangue congelando

Vê aquela triste sina

Seu amor numa batina

E o padre Aires chorando.

Seu coração não aguenta

Essa cena dolorosa

Cai por terra D. Sancha

Parecendo uma rosa

Despetalada no chão

Morre com ela a paixão

Na sua face chorosa.

O leitor não imagina

A dor daquele rapaz

Vendo a amada sem vida

Sentiu-se tão incapaz

Que pensou naquela hora

Viver pela vida afora

Sem um minuto de paz.

E depois que D. Sancha

A sepultura baixou

Todo o dia o padre Aires

Uma rosa lhe levou

E na sepultura dela

Em homenagem a ela

Uma mangueira plantou.

E quando a planta cresceu

Para surpresa geral

As mangas tinham um perfume

Que parecia igual

O perfume de jasmim

Pode crer era “igualzim”

O amor daquele casal.

Diz a lenda que as mangas

Tem um sabor delicado

E um aroma que lembra

Um amor não celebrado

Nascido em belo jardim

O perfume de jasmim

Vive à sombra do passado.

E ainda conta a lenda

Que o padre todo dia

Lá na sombra da mangueira

O paraíso vivia

Sonhando um dia morrer

E lá no céu obter

A sua grande alegria.

E assim termina a lenda

Desse grande amor que foi

Esperança e desencontro

(tudo bem eu sei que dói)

Mas eu não pude fazer

Nada além de descrever

Só fui fiel ao que foi.

- 22/01/2012 -

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Agradeço imensamente ao poeta Antonio Tavares de Lima pela linda interação ao meu cordel. Grata pelos elogios!

Minha linda poetisa

Nunca vi coisa tão bela

Como este lindo cordel

De palavras tão singelas

Que vem lá da Paraíba

De improviso à capela.

É uma história bonita

De paixão e de amor

Morre a moça e fica o padre

Como foi longa esta dor

Deste pobre ser vivente

Que foi grande sofredor.

Parabéns ó poetisa

Da terra grande e pequena

Paraíba meus amores

Do cheiro da açucena

Que eu trago aqui no peito

E louvo com minha pena.

Hoje a grande João Pessoa

Faz o seu aniversário

Eu trago aqui na memória

Diz também o calendário

Viva então pra João Pessoa

Rezo pra ti um rosário.

(Poeta Antonio Tavares de Lima postado por Fran Souza)

Fran Souza
Enviado por Fran Souza em 10/05/2013
Reeditado em 05/08/2013
Código do texto: T4283634
Classificação de conteúdo: seguro
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