Lições de um Jatobá

Lições de um Jatobá

Jorge Linhaça

Naquele bosque encantado

onde parca é a luz do dia

um Jatobá bem criado

de séculos preservado

Todos seres reunia

Sua voz qual um trovão

pelos ares ressoava

chegando à todo rincão ;

toda gruta ou fundão

E o Jatobá discursava:

- Ouvi-me, ó seres da terra,

dos rios, mares, cachoeiras,

dos riachos e das serras,

seres reais ou quimeras

das matas e cordilheiras

Ouvi-me, ó bicho homem

Cuja fome te devora;

cuja ambição te consome;

cuja ganância não dorme,

abri os olhos agora.

Eis que sou o Jatobá,

centenário sentinela,

nascido neste lugar,

Muitos anos a olhar

alegrias e mazelas

Muitos seres vi nascer,

animais e vegetais

muitos outros vi morrer,

destino de todo ser,

Ouvi risadas e ais

Sou parte da natureza

Hoje sou seu porta-voz

Conheço a dor e a tristeza,

a alegria e realeza,

as raízes e cipós.

São todos partes do um,

o um é parte do todo,

sem o um não há nenhum,

nem ninguém, em tempo algum,

seja antigo ou seja novo

O conjunto é necessário,

tudo misturado e junto,

o equilibrio é um relicário,

tudo tem o seu horário,

na beleza do conjunto.

Cada ser tem seu valor,

animal ou vegetal,

cada qual com seu labor

e ouça bem o senhor,

até mesmo o mineral

É preciso sapiência

pra manter o equilíbrio

pois tudo tem sua essência

tudo tem sua ciência

tudo tem seu próprio brilho

Atentai, seres da terra

-que hoje anda cansada-

de tanto descaso e guerra

agressões à atmosfera

a troco de pouco ou de nada

Quando a terra desespera

cobra logo o seu quinhão

gera fome e miséria

solta aos ventos as quimeras

de grande devastação

Tsunãmis, maremotos,

cospem cinzas os vulcões,

ciclones e terremotos,

deslizamentos e...os corpos

boiam nas inundações

A natureza encontra

sempre e sempre o seu caminho

não por pirraça ou afronta

apenas cobra a conta

do ser humano mesquinho

Tanto chão há pra viver

tanto chão no qual plantar

mas é preciso entender

que pra não se perecer

tudo tem o seu lugar

Devastando-se as matas

para pastos, plantações...

a natureza se impacta

muita vida ali se mata

por ceder às ambições.

De tudo que há no mundo

há excesso e fartura,

no oceano profundo,

-Ó pobre mar, hoje imundo-

ou nas serras, nas alturas

Mas falta a sabedoria

- e quanta falta ela faz-

pra pensar num outro dia

quando a terra, já vazia

não servir pra nada mais

Atentai, ó ser "humano"

tu que achas ser o rei

e a tudo vais devastando

dos teus atos te gabando

burlando regras e leis.

Não és mais do que um tolo

com tua míope visão

trazes na alma o dolo

e não sabendo onde pô-lo

devastas mares e chão

Só o ser humano é capaz

de querer mais que precisa

cada vez querendo mais

e nunca se satisfaz

com o chão sobre o qual pisa

Se não cessa a loucura.

se não nasce a consciência,

Vai-se embora a fartura

o mal cresce em levedura

Vão-se a fé e a ciência.

Hoje a sorte está lançada

e os olhos fingem não ver

Tortuosa é a estrada

(quem quer tudo não tem nada)

muito fácil é se perder.

Abra os olhos para a vida,

veja a morte se espalhando

veja as chagas e feridas

da natureza atingida

e o clima sempre mudando