Muito prazer, Álvaro Lins
Às vezes, fico pensando
Em milhões de sutilezas,
Da certeza que nós temos
Que a vida é só incertezas,
O mundo dá muitas voltas
E o tempo nos traz surpresas.
Pois, diante do Universo,
A Terra é pequena esfera.
Por mais que o saber decifre,
Sempre o mistério o supera.
Coisas estranhas ocorrem
Quando ninguém as espera.
E um fato muito incomum
Eu quero narrar agora.
Foi numa tarde comum
E em um simples lugar
(Tudo o que é trivial
Tem um enigma no ar).
Aqui em Caruaru,
Nesta terra nordestina,
Aconteceu com Andreza,
Uma jovem meiga e fina,
Uma menina, do jeito
De qualquer outra menina.
Mas, permitam-me falar
Um pouco mais sobre Andreza:
Curiosa adolescente,
Com galhardia e destreza,
E com os olhos treinados
Para enxergar a Beleza.
Gosta de ouvir boa música,
De brincar, de cheirar rosa,
Age igualmente a seu nome
(Que quer dizer “corajosa”)...
Apesar de inteligente,
Não é muito estudiosa...
Ela cursa 9º ano
Do Ensino Fundamental.
Entretanto, em Redação,
A menina estava mal,
‘Tava em Recuperação,
Com medo de ir pra Final.
Isso a preocupava muito,
A deixava constrangida.
Por isso, que ela pediu
Para a professora Cida
Passar a ela um trabalho
Pr’ ela uma saída...
Cida é uma professora
Que ama lecionar bem:
Da linha de Paulo Freire,
De Rubem Alves também,
Valorizando os saberes
Que o estudante já tem.
Vendo o interesse dela,
A mestra, com caridade,
Passou a ‘Dreza um trabalho
Com peculiaridade:
Uma Redação falando
Em Carlos Drummond de Andrade.
Mas alertou à garota:
– Redação dissertativa,
Com conteúdo e análise,
Opinião incisiva,
Coesa, bem planejada,
Coerente, criativa.
Andreza disse que iria
Fazer essa Redação
Caprichando em cada frase,
Em busca da perfeição...
Foi ao Parque das Rendeiras
Procurar inspiração.
Num banco sob uma árvore,
Ela sentou com cautela.
E, enquanto lia, o vento
Osculava a face dela,
Como um noivo apaixonado
Declarando que ela é bela.
Pra compor a Redação
Ela procurava um truque.
Mas, um pouco desatenta:
Nas coxas, o notebook,
Numa janela, a pesquisa,
E na outra, o Facebook!
Mas as obras de Drummond
São repletas de esplendor,
Que ela foi se interessando,
Vendo da arte o fulgor,
Curtindo e compartilhando
Os versos do escritor.
O poeta de Itabira
Tinha verves apuradas;
‘Cidadezinha qualquer’,
‘Quadrilha’, ‘Infância’, ‘Mãos dadas’,
Lia Andreza com fascínio
Obras tão elaboradas.
Seu cérebro, com a leitura,
‘Tava tão conectado,
Que nem percebeu que um homem
Sentou-se, calmo, ao seu lado
E, um tanto curioso,
A fitava com cuidado.
Ela, então, se espantou
Quando o homem, com bom tom,
Exclamou admirado:
– Quão magistral é Drummond!
Artista de qualidade,
Refinado, muito bom!
Foi aí que Andreza viu
Esse estranho do seu lado.
Com óculos, aspecto culto,
Cabelo bem penteado,
Num terno que parecia
Que era do século passado.
Então, perguntou Andreza:
– Quem é que é o senhor?
É, por acaso, um turista?
Nunca o vi neste setor...
Me parece inteligente,
É um médico? Ou professor?
Disse ele: – Eu sou daqui,
Mas fui a outros confins.
Voltei pra ver minha terra,
Dialogar com afins,
Eu sou crítico literário.
Muito prazer, Álvaro Lins.
A menina apresentou-se,
Mesmo um tanto transtornada.
– Também sou desta cidade,
Terra boa, tão amada,
Sou só estudante (ainda).
Me chamo Andreza. Encantada!
Sorriu e mordeu os lábios,
Manchando um pouco o batom,
Pois teve uma ideia e disse:
– Notei que o senhor é bom.
Que ideia me daria
Pra ‘falar’ sobre Drummond?
O homem falou: – Garota,
Drummond foi gente dileta
E a sua poesia
É tão sublime e completa!
Escrever qual ele é
Sonho de todo poeta.
Tinha um humor refinado,
Talvez por sua ascendência,
Pois no século XVII
Existe uma referência:
O inglês William Drummond,
Poeta com excelência.
Com tamanha explanação,
Andreza ficou surpresa,
Pensando: “esse cidadão
Tem do saber a riqueza,
Um intelecto invejável.
É um gênio, com certeza!”
Nisso, a menina sentiu
O seu celular vibrar.
Pediu licença ao senhor
Pra atender o celular,
Era uma SMS
Que acabava de chegar.
Ao pegar o aparelho
De chorar sentiu vontade.
Era o namorado dela,
Que mora noutra cidade,
Que escreveu: “Princesinha,
Tow morrendo de saudade”.
Todo casal que se ama
Sofre à distância. Isso é fato.
A menina, num impulso,
Respondeu num único ato:
“Ownt, receba meus kisses,
Tb ti amo, meu gato”
Quando ela terminou
De responder a mensagem,
De Álvaro Lins não tinha
Nem o rastro na paisagem.
Ela ficou se indagando:
“Será que era uma miragem?”
Mas, chegou à conclusão
Do que estava se passando:
Ela, em meio à leitura,
Findou até cochilando
E naquele incrível diálogo
Ela só ‘tava sonhando.
Esses fatos insondáveis
São os mistérios da mente,
Pois Álvaro Lins estava
No seu subconsciente
(Que tudo o que a gente capta,
O cérebro grava pra gente).
Ficou pensando e lembrou-se
De seu nome, na verdade:
“O senhor Álvaro Lins
Foi por certo autoridade,
Pois dá nome a um colégio
Aqui da nossa cidade”.
A menina recordando
A inteligência dele,
Ficou tão impressionada,
Pensando bastante nele,
Pôs o seu nome no Google
Pra saber mais sobre ele.
E descobriu que ele foi
Homem de grande valor,
Com títulos de advogado,
Jornalista, professor,
Grande crítico literário,
Diplomata e escritor.
Caruaruense exímio
Com várias atuações.
Andreza ficou perplexa
Com as suas dimensões
E foi à Biblioteca
Colher mais informações.
Em artigos, leu que Álvaro
Militara na Política,
Pôs-se contra ditadores
Com sua pena analítica.
Carlos Drummond o chamou
De “imperador da crítica”.
Foi, inclusive, esse fato
Que a fez bolar um plano:
“Se o mestre mineiro honrou
O gênio pernambucano,
Deve-se divulgá-lo mais,
Não ocultá-lo com um pano!”
Matutou que matutou
E tomou uma decisão:
“Vou fazer um restart
(Mas não é a banda, não),
É iniciar de novo
Essa minha Redação.
Não ligo se a professora
Vai achar bom ou ruim,
Mas quero que o povo saiba
Dele tintim por tintim”.
Pegou caneta e papel
E pôs-se a escrever assim:
O poeta e o imperador
Foi do poeta Carlos Drummond de Andrade que o caruaruense Álvaro Lins ganhou o título de “imperador da crítica brasileira”. Isso aconteceu na década de 1940, em um texto escrito pelo mineiro, que mencionava que cada análise de Álvaro, no jornal Correio da Manhã, “tinha o dom de firmar um valor literário desconhecido ou contestado. E quando arrasava um autor, o melhor que o arrasado tinha que fazer era calar a boca”. E não era apenas Drummond que reconhecia o valor do crítico literário. A contribuição de Lins é incontestável em outras áreas do conhecimento, como o Jornalismo e a Política, inclusive, como embaixador do Brasil em Portugal.
Nascido na Princesa do Agreste no dia 14 de dezembro de 1912 – período no qual as taxas de mortalidade infantil eram altíssimas –, ele fez o curso primário em Caruaru e o secundário no Recife. Desde cedo, demonstrou interesse pelos estudos e enxergava caminhos em busca de uma sociedade mais justa. Tanto é que, com apenas 20 anos de idade, enquanto representante do Diretório dos Estudantes na Faculdade de Direito, apresentou um trabalho com o instigante tema ‘A universidade como escola dos homens públicos’.
Contemporâneo dos autores modernistas, a identidade nacional foi tema de sua reflexão. Nomes como Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Augusto dos Anjos e Dalton Trevisan foram apresentados ao grande público por causa do olhar do crítico literário. O Nordeste também foi alvo de seus escritos. Ainda nos anos 40, ele denunciava que o Nordeste e o Brasil “são dois países distintos, duas faces do Brasil que se ignoram e se desconhecem”.
Também atuou no cenário político, não apenas no Brasil, mas internacional. Em 1956, foi indicado para ser embaixador do Brasil em Portugal. Naquele contexto histórico, os portugueses estavam sob o domínio da ditadura de Salazar. E a atuação do caruaruense naquele país foi memorável. Em 1959, a embaixada brasileira concedeu asilo político ao general Humberto Delgado, que fazia oposição à ditadura, mas o asilo não foi reconhecido pelo governo português, gerando uma crise diplomática entre ambos os países. O então presidente do Brasil, Juscelino Kubistchek, cedia às pressões de Portugal. Por causa do posicionamento de JK, o embaixador escreveu-lhe uma carta, rompendo laços política e pessoalmente com ele. Ao mesmo tempo, renuncia a embaixada e devolve ao Governo Português a mais alta condecoração – “A Grã-Cruz da Ordem de Cristo” –, que fora a ele concedida por 1957. Os detalhes de todos esses episódios foram registrados por Lins no livro ‘Missão em Portugal’ (1960), já quando voltou ao Brasil.
Depois do Golpe Militar de 1964, o crítico enfrentou o ostracismo político, e pressões como a destruição quase total de sua biblioteca, quando teve o apartamento invadido pelas ‘Forças de Segurança’. Faleceu em 05 de junho de 1970, no Rio de Janeiro.
Segundo o escritor e filósofo Humberto de França, “o legado crítico de Álvaro Lins se consubstancia no seu apego à liberdade”. Concordo com ele. Entretanto, pode-se dizer que tal herança espraia-se por todas as áreas de atuação dele, além da crítica. Não permitir que a vida e obra de Álvaro Lins seja esquecido é reacender os ideais de liberdade e justiça social por ele propostos. É revisitar o passado para observar o presente e projetar um novo futuro. Devemos nos unir em prol desse projeto. Com essa visão, caem como uma luva os seguintes versos de Drummond: “O presente é tão grande, não nos afastemos. / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.