EU SOU-03.

Eu sou da planta a raiz,

Que a dura terra perfura,

Sou o canto da perdiz,

E o choro da saracura,

Sou o Bugiu roncador,

Sou o falcão planador,

Vôo sem medo de altura.

Sou a brisa da manhã,

Que adentra a campinas,

O show de um maracanã,

Quando a partida termina,

O clamor da mãe leiteira,

O pranto das rezadeiras,

Onde a quermesse se finda.

Sou o barulho das águas,

Que desse nas corredeiras,

Sou o terror que a águia,

Transmite a espécie rasteira,

O arrastar das correntes,

O forte ranger de dentes,

Da fera em sua trincheira.

Sou o canto de alegria,

Do homem cheio de sorte,

O calor do meio dia,

Que corre de sul a norte,

O quengo do inventor,

Sou o medo do condutor,

Que dirige em chuva forte.

Sou da mesa as iguarias,

A despertar os desejos,

O vinho velho guardado,

A encobrir seus segredos,

Sou o grito do carreiro,

Durante o mês de janeiro,

Que o inverno chega cedo.

Sou dos momentos felizes,

As lembranças e o passado,

Sou a força dos aprendizes,

No esmero de aprovados,

Os versos de um cantador,

E o talento do escritor,

De retoques refinados.

Sou os encantos da seara,

No ar puro que se vai,

Sou por vezes coisa rara,

O sábio conselho de um pai,

Sou a espécie em extinção,

Gostoso abraço de irmão,

Coisas que não se ver mais.

Sou o barulho da cascata,

A jorrar de serra a baixo,

Sou ronco das cataratas,

Em plenas chuvas de março,

Os cravos da ferradura,

Que protege, mas tortura,

Os pés do animal por baixo.

Sou a sobra do almoço,

No requente da panela,

Da calma sou alvoroço,

No desfile em passarela,

Sou do palhaço o sorriso,

E a força do improviso,

A dizer que a vida é bela.

Do portão sou o batente,

Sempre rígido e seguro,

Sou a vitória aparente,

Das ramadas no monturo,

Sou o rangir da cancela,

Sou a pedra na moela,

E gato em cima do muro.

Sou fôlego do arquejante,

Do abatido a respiração,

O cambalear do vacilante,

Sou o gás do lampião,

Do engenho sou moenda,

E na prancha sou a fenda,

Que traz ao fole a pressão.

Sou o semblante maroto,

Do sujeito bom de fala,

O brilho no olhar do garoto,

Fitos num monte de balas,

Sou a lentidão da macha,

E no mancal sou a graxa,

As dobradiças da mala.

Sou a tara das balanças,

Sou da cabeça o juízo,

Do infeliz a esperança,

Dos versos o improviso,

O sorriso de um menino,

Sou a pose do granfino,

Que escapou do prejuízo.

Sou do sagaz a esperteza,

Do vivido a experiência,

Sou do modesto a nobreza,

Da justiça a competência,

Sou as rédeas do cavalo,

Que não se quebra no palo,

Sou de tão pouca existência.

Sou o linguajar do falante,

De um alarme sou repente,

Sou o cobiçado brilhante,

No pescoço da serpente,

Sou o romper da alvorada,

Sou tudo e não sou nada,

Frágil mortal simplesmente.

Cosme B Araujo.

28/02/2013.

CBPOESIAS
Enviado por CBPOESIAS em 28/02/2013
Reeditado em 01/03/2013
Código do texto: T4165043
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