O dia que nevou em Teresina – Cordel completo

O dia que nevou em Teresina – Cordel completo

Autor: Daniel Fiúza

21/05/2004

01

Cidade de Teresina

Incrustada no agreste

Capital do Piauí

A mais quente do nordeste;

Na estória que vou contar

Pra você acreditar

Tem que ser cabra da peste.

02

Só indo lá fazer teste

Sobre sua temperatura

De noite é coisa doida

De dia é uma loucura

Tem dia que tá tão quente

Que a gente fica dolente

Sentindo certa tontura.

03

Derrete até rapadura

No seu calor infernal

A cuca fica esquentada

E o mau-humor é geral

Suando na catingueira

Feito bico de chaleira

Numa gastura fatal.

04

Tartaruga no quintal

Tem muita gente que viu

Prevenida ela andando

Levando o seu cantil

Tá sempre se hidratando

Sua água vai tomando

Ou vira réptil senil.

04

E lá no céu de anil

Onde urubu faz casa

Toda ave já aprendeu

A voar só com uma asa

A outra é pra se abanar

Pra quentura amenizar

Ou o calor lhe arrasa.

05

Ao meio dia é uma brasa

Liquefazendo o asfalto

Do meio dia, as três

O povo em sobressalto

Fica em sua residência

Descansando na dormência

Desse fogaréu tão alto.

06

Vai penar quem for incauto

Se sair nessa fogueira

Nem comércio abre alí

Ir pra rua é besteira

Muito melhor é dormir

E só bem tarde sair

Se sair cedo é asneira.

07

Coitada da geladeira

Trabalha feito um jegue

Fica mandando o calor

Pro diabo que o carregue,

Mas a conta de energia

Causa muita antipatia

No dia que é entregue.

08

Na conjunção que segue

Pra diminuir o calar

Toda casa em Teresina

Tem sempre ventilador

Aquele que é abonado

Tem é ar condicionado

Em qualquer lugar que for.

09

Começar a estória eu vou

Do dia que em Teresina

Nevou um dia e a noite

Na cidade e na campina

Nesse dia tão gelado

Com neve pra todo lado

Parecia à Argentina.

10

Como em Santa Catarina

Logo de manhã cedinho

Já soprava um vento frio

A neve vinha a caminho

De tarde a neve caiu

O povo todo sentiu

O fenômeno do el ninho

11

Foi o maior burburinho

Disseram é o fim do mundo

Clamavam por Padim Ciço

Por São Pedro, São Raimundo

Beatas rezavam terço

Outras diziam: - eu mereço

Com sentimento profundo.

12

Esse fenômeno oriundo

Da natureza bulida

Que modificava o tempo

Mexia com toda vida

Causava um alvoroço

Num fenômeno colosso

Por todo mundo sentida.

13

Quem tinha conta devida

Procurou logo pagar

Fazendo as pazes com Deus

Pra sua ficha melhorar

O rico fez doação

Pobre só fez oração

Pros seus pecados pagar.

14

Cada igrejas do lugar

Uma grande multidão

Formava uma fila imensa

Pra conseguir o perdão

Os padres não davam conta

De perdoar tanta afronta

Dita em cada confissão.

15

O povo sem condição

Não tinha calafetagem

Nem agasalho pro frio

Só tinha cara e coragem

Toda a cidade parou

Toda a água congelou

Ficou branca a pastagem.

16

Diante dessa imagem

De muita calamidade

Telefone ficou mudo

Ficou deserta a cidade

Só na igreja tinha gente

Aqueles de Deus temente

Da grande fatalidade.

17

O que nunca fez bondade

Com medo do fogo eterno

Distribuiu o que tinha

Naquele estranho inverno

Mudando a sua conduta

Querendo a alma impoluta

Pra se livrar do inferno.

18

E nesse gesto fraterno

Fez doação de dinheiro

Deu comida e agasalho

E as galinhas do terreiro

Mode comprar o seu céu

De bonzinho fez papel

Virou santo por inteiro.

19

Só se ouvia o berreiro

Choro e lamentação

Gente fazendo promessa

No ato de contrição

Tanta gente arrependida

Outro tanto redimida

Por conta de seu perdão.

20

Nessa adjudicação

Enquanto a neve caia

Numa branqueza formosa

Na lindeza se fazia

Ninguém via a beleza

Por conta da natureza

Que por ali se fazia.

21

O que o pessoal dizia

Que aquilo era castigo

Por reclamar do calor

Fez dele um inimigo

Os anjos pra castigar

Mandou a neve nevar

Pra esfriar todo abrigo.

22

Na narrativa fatigo

Sobre o dia que nevou

Na cidade nordestina

Que faz o maior calor

Cidade de Teresina

Essa cidade menina

Que de repente esfriou.

23

Quando o céu acinzentou

E surgiu vento gelado

E aqueles flocos caindo

Deixando branco o telhado

O povo não acreditava

Se um ria outro chorava

Do branco todo espalhado.

24

O mundo ficou abismado

Veio rádio e televisão

Tinha meteorologista

Na cidade e no sertão

Os Cientistas estudando

A imprensa divulgando

O clima da região.

25

O padre Cícero Romão

Era o santo mais rezado

Os seus fieis confiavam

Na força do seu cajado

Se o frio fosse embora

Eles fariam na hora

Um templo pro seu reinado.

26

Qualquer bandido safado

Ficou devoto do santo

Querendo salvar sua alma

Ficou rezando num canto

O povo não entendia

Porque a neve caia

Gelada daquele tanto.

27

Causando grande espanto

Até em autoridade

O prefeito liberou

Tudo de graça à vontade

Meninas davam vertigens

Porque iam morrem virgens

Naquela calamidade.

28

Moça de maioridade

Se entregava ao namorado

Querendo morrer feliz

Num quarto muito gelado

Pedia perdão a Deus

Por todos os erros seus

Achando aquilo pecado.

29

O inimigo declarado

Se dizia arrependido

Abraçava o desafeto

No gesto bem conhecido

Chorava no seu perdão

Do fundo do coração

De bondade acometido.

30

Todo esse acontecido

Não faz tempo que passou

Eu não estava presente

Foi alguém que me contou

Uma pessoa de respeito

Honesto e muito direito

Que tava lá sim senhor.

31

Seu nome dizer eu vou

Ele é uma sumidade

O cabra nunca mentiu

Ele só fala a verdade

O que disser acredito

O homem é grande mito

E tem credibilidade

32

Nunca fez faculdade

Nem é de falar besteira

Num sonho ele me falou

Essa estória verdadeira

Você pode acreditar

Isso eu posso afirmar

Seu nome é Zé limeira.

Domfiuza
Enviado por Domfiuza em 09/08/2005
Código do texto: T41395