HISTÓRIA DA ONÇA
Este cordel foi escrita por meu avô João Guilherme, onde ele narra a história de uma onça pintada que apareceu na região e houve o esforço de toda comunidade para aprisioná-la, como veremos nos versos abaixo.
(Transcrito na forma original) 1a - Parte.
HISTÓRIA DA ONÇA
Eu sou uma onça velha
Filha do belo Piauí,
Onde fu acostumada
A matar para estruir
Pois nunca gostei de ver
Bicho no mato correr
Ou perto de mim bulir!
Mas estando acostumada
Com todo povo de lá
Resolvi dar um passeio
Para as bandas do Ceará
Porém com algum receio
Porque neste meu passeio
Eu não sei o que dará.
Porque não conheço o mato
Desconheço o pessoal
Sempre o bem me dar fastio
So gosto de fazer mal
Ja tenho matado ovelha
Quer seja branca ou vermelha
Mesmo detro do curral.
Sempre fui perseguida
Em todo lugar que andei
Quem falasse a meu favor
Ainda não encontrei
Porém aqui no Coité
Vou agora tomar fé
Se acho o que nunca achei.
Fui logo me hospedar
No barro do Zé Tomás
Tem uma serra na frente
E tem outra por detrás
Julguei ser bom patrimônio
Para me livrar do demônio
Dos braços do satanás.
Cheguei bastante enfadada
Porque fiz longa viagem
E não trouxe mantimento
Porque não trasia pagem
Portanto cheguei com fome
Para dizer o meu nome
Matei uma "Matutagem"
Esta matança que fiz
Foi de um pobre garrotinho
Ali mesmo no terreiro
Daquele Vicente Coutinho
Um cachorro me latia
Creio que o Vicente dormia
Pois não mostrou o focinho.
Quando foi no outro dia
Recebi um mensageiro
Que me trasia um recado
E foi dizendo ligeiro:
Acho bom tu ir embora,
Porque nesta terra mora
O velho Inácio Ribeiro.
Então eu lhe perguntei
Um tanto desconfiada
- Me diz quem é este velho
Que tem tanta nomeada?
Ai o mensageiro sorriu
E de mim se despidiu
Sem me responder mais nada.
Ai eu fiquei pensando
Naquele recado assim,
Sem ter uma explicação
Só podia ser ruim,
Este velho por ventura
Será uma criatura
Que vai dar cabo de mim?
Por ali andei trilhando
Mas sempre muito sagas
Diversas noites passei
Na roça do Zé Tomás
Só para fazer acinte
Porque velho sendo vinte
Eu não olho para tras.
Um dia estando acalmada
Naquelas abas de serra
Quando ouvi um sinal
Conheci que era guerra
Um tal Leonardo de Sousa
Que era o dono da coisa
Bicho dunga desta terra.
Ai eu sai correndo
Pulando muito ligeiro
Mas olhando para tras
Vi um bando na carreira
Mas pelos que conheci
Ai logo descobri
Que vinham bancar besteira.
Um cachorro que andava
Latia quase assombrado
Chegando perto de mim
Ficou todo arrepiado
Eu lhe fiz um rapapé
E ele voltou sem fé
Se defecando e mijado!
Os que iam na "infuca"
Ja nem me lembro mais,
Sei que ia esse Sousa
Que falei ali atrás
Inácio José Ferreira
Vicente Coutinho Teixeira
E o velho José Tomás.
Ia tamém o Tomas
Um filho do precedente,
Este e o Leonardo
Sempre corriam na frente
Mas vendo o seu cão voltar
Procurou o imitar
Recuando o contingente.
Então desci para o Penha
Boqueirão do João Correia
Pois a coisa lá em cima
Estava se tornando feia
Eu temia uma emboscada
Em que esses camaradas
A mim botassem na peia.
Comi logo um garrotinho
Mesmo ali no Boqueirão
Sendo ele do João Correia
Que não gostou desta ação
E comi mais seis parelhas
De suas gordas ovelhas
Mas não se zangeu patrão.
Fui acompanhando a encosta
Até num tal Riachão
Andei la comendo uns porcos
De Juvêncio Barbadão,
La viu-me Raimundo Ana
Que correu uma semana
Com uma espingarda na mão.
O povo de Ubatuba
Se ajuntaram em magote
E foram me procurar
La por cima do serrote,
Porém não viram mais nada,
Que eu sou acostumada
Em muitos passar calote.
Voltei a minha morada
Que é uma chacara fina
Uma furna especial
Feita por obra divina
Saí debaixo das telhas
E fui matar doze ovelhas
De "seu" José Felismina.
Quando a gente tem sorte
É para se ver como é
Na carniça das ovelhas
Eu estava ali de pé
Fui longo ouvindo roncar
E perto de mim chegar
Uma porquinha do Né.
Eu estava com vontade
De comer mais um petisco
Saltei em cima e sangrei
Ali não corria risco
Fui por ali debicando
De quando em quando escutando
Para ver se corria risco.
Depois de encher a barriga
E ficar bem satisfeita
Fui embora para casa
Deixando a carniça feita
Ai o Zé Felismina
Achando a carnificina
Diz: a onça comigo peita.