O MATUTO REZANDO PRA SÃO JOSÉ
Quando amanhece o dia
no nordeste brasileiro
o agricultor se levanta
para mijar no terreiro
depois senta no batente
para escovar os dente
com rapa de juazeiro
II
Na cozinha a mulher chama
com a voz bem abusada
café ta na mesa home
vem comer tua coiada
se quer farinha ta na caneca
e lave suas cueca
qui num sou sua empregada
III
Após tomar o café
pindura o cabaço na enxada
duas horas é o bastante
p´ra roupa ficar suada
o seu rosto o sol queimando
e a formiga preta entrando
em sua calça rasgada
IV
Passa Dezembro e Janeiro
e o inverno não vem
com os bolsos tudo furado
o pobre sem um vintém
em casa é uma fartura
farta feijão, farta rapadura
falta farinha e xerém
V
Chega o mês de fevereiro
e a chuva não chegou
as experiências que fez
todas elas fracassou
pedra de sal e carreiro
a boneca o cardeiro
com a seca não segurou
VI
Só resta apelar pra Março
o dia de São José
prepara logo a fogueira
e fica á frente de pé
com o peito cheio de magoa
e os olhos correndo água
começa dizer com fé
VII
Oia meu San José
pa esse pobe coitado
qui essa seca medonha
não atrapai meu roçado
qui dá de comer a famia
e não farte melancia
pa mode dá a meu gado
VIII
Espia San José
lá em casa a situaçam
farta mio pais galinha
farta farinha e feijam
até a vaca maiada
cercou o leite coitada
por farta de raçãm
IX
Argora qui fartou leite
todo dia é uma briga
pois jãozinho meu fio
com o bucho chei de lombriga
era sor o qui comia
e minha veia Maria
reza por uma intriga
X
Por falar na minha veia
é maga de fazer dó
suas pernas são tão fina
qui mais parece um cipó
as mãos cheias de ferida
inda mais sua comida
amaiga qui nem jirló
XI
Mariazinha mia fia
nam tem cuma crescer
pois seu escardado de leite
lá em casa deixou de ter
já mandei a veia arranjar
um cardim de preá
pro mode ela cumer
XII
Meu cachorrim puigatório
já ta mostrando a costela
inda mai cuns carrapatu
pidurado na guela
nem pa bufar ele liga
quem vê a sua barriga
diz logo que é a canela
XIII
Vei esse ta de estudo
num tive cuma estudar
mermo cum a ta moda
de escola do mobrar
meu colégio foi roçado
e cum o fessor machado
num aprendi nem o A
XIV
Pro mode isso San José
tenha logo pena de mim
qui a chuva lá do céu
nam sardimore a vim
pra mode nascer feijam
macaxeira de montam
e prantar o meu capim
XV
Ardiscupe esse pobe
qui nem o meno sabe rezar
mai sei qui tenho ceteza
qui num vai me abandonar
brigado San José quirido
oia esse vei sufrido
qui num deixa de te amar
XVI
Assim termina a reza
com o peito mais aliviado
sentindo no coração
um cheiro de chão molhado
a esperança levanta
como se fosse uma planta
que Deus tivesse aguado
XVII
Este é o nordestino
que não deixa de lutar
prefere morrer tentando
de que um dia se entregar
no peito reacende a fé
e a vela de São José
nunca irá se apagar