A Revolta da Chibata...a história de João Cândido Felisberto
A Revolta da Chibata... a história de João Cândido Felisberto
Jorge Linhaça
Em mil novecentos e dez
Uma revolta eclodiu
Contra o lenho das chibatas
Nas belonaves, fragatas
Da Marinha do Brasil
Vil e torpe insensatez
Uniram-se os marinheiro
Quando exaltaram-se os ânimos
Contra o castigo perverso
E eu canto nestes versos
O seu líder: João Cândido
Bravo negro, timoneiro
No barco Minas Gerais
Foi condenado Menezes
Pela sua oficialada
A receber chibatadas
Duzentas e cinquenta vezes
Frente aos pares demais
A Revolta, em 6 dias,
Eclodiu, pois, furiosa,
Os navios foram tomados
Por marujada briosa
Canhões pro Rio apontados
E o povo já fugia
Em radiograma ao governo
As condições foram dadas:
O fim do cruel castigo
Aos marujos infligidos
E o perdão à marujada
Pondo à revolta um termo
Rui Barbosa defendeu
Fosse tudo atendido
Discursou o orador
Denunciou com fervor
Os afrontes cometidos
Contra esses filhos de Deus
O governo então cedeu
À pressão exercida
Terminava em cinco dias
Pra do povo a alegria
A revolta referida
Mas o pior sucedeu
Durou pouco a euforia:
Oficiais descontentes
Em vil ato de traição
Condenaram à prisão
C’o governo de serpentes
Da marujada a chefia
Marinheiros apartados
Na ilha das cobras detidos
Rompendo o trato feito
Em um total desrespeito
Ao que havia prometido
No episódio relatado
Eclodiu nova revolta
Contra tão cruel desmando
Dando ao governo pretexto
Para apertar o cabresto
E muitas vidas ceifando
Aos que estavam em volta
.
Massacre vil ocorreu
a vingança foi cumprida
não se aceitou rendição
bombardeando a guarnição
e mandando pra prisão
quem ali sobreviveu
Com bandidos embarcados,
Foram rumo ao amazonas
Nos dias que se seguiram
Daqueles que resistiam
E por longínquas zonas
muitos foram fuzilados
João Candido e outros
Foram na masmorra presos
Recentemente caiadas
Dezesseis almas ceifadas
Foram o resultado negro
Amontoavam-se os corpos
No manicômio internado
João, então enlouquecido,
Conseguiu a sua cura
De toda a torpe tortura
À qual foi submetido
Por haver se revoltado
Perpétua perseguição
Foi sofrendo o marinheiro
Ao longo de toda a vida
Que passou toda sofrida
Morreu pobre sem dinheiro
Trabalhando de peixeiro
Nas pedras do cais feridas.
*****
Durante anos a memória deste negro gaúcho ficou esquecida e denegrida pela ditadura militar e os governos autoritários até que João Bosco e Aldir Blanc compuseram música abaixo, que foi censurada diversas vezes e só foi liberada com alterações.
Em agosto de 2003, ou seja 93 anos depois:
O Congresso brasileiro restabeleceu, neste mês de agosto de 2003, os direitos de todos os marinheiros envolvidos na chamada "Revolta da Chibata", ocorrida em 1910. O decreto devolve aos marinheiros suas patentes, permitindo que recebam na Justiça os valores a que teriam direito se tivessem permanecido na ativa. Após 93 anos, resgata-se a memória dos marujos, especialmente do líder da Revolta, João Cândido Felisberto, o "Almirante Negro".
Resta saber se alguém ainda irá receber o que lhe é devido e se isso paga pelas vidas dos assassinados pela Marinha de Guerra.
Veja a letra original (não-censurada) completa:
Mestre-Sala dos Mares
(João Bosco e Aldir Blanc)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos negros
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do marinheiro gritava, então:
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esqueceram jamais.........
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
(Mas, salve...)
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Esta é a versão original da música. Criada durante os anos de governo militar no Brasil, depois da censura a letra sofreu pequenas alterações, como trocar "marinheiro" por "feiticeiro" e "almirante" por "navegante"...
Sobre a censura à música, o compositor Aldir Blanc conta (em www.dhnet.org.br): "Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que a Marinha não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, (...) mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o "bonzinho", disse mais ou menos o seguinte:
- Vocês não então entendendo... Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando...
Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um "telefone" nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:
- O problema é essa história de negro, negro, negro..."