"O CRENTE CALOTEIRO" Cordel de: Flávio Cavalcante
CRENTE CALOTEIRO
Cordel de:
Flávio Cavalcante
I
De tanto na vida quebrar a cara
Passei a ser frio e calculista
Hoje em dia ser honesto é joia rara
O que se tem é caloteiro e vigarista
Aquele que se faz de tolinho
Fazendo um rodopio e um embaraço
Que todo safado é bonzinho
E carrega um Jesus embaixo do braço
II
Veja bem meus amigos leitores
Peço atenção pra não cair na esparrela
Canalhas se fazendo de doutores
Pra puxar até cueca pela goela
Cuidado que ladrão não tem letreiro
Por isso digo faça o que eu faço
Que tem pilantra pra roubar teu dinheiro
E carrega um Jesus embaixo do braço
III
Usa o nome santo pra se dar bem na vida
Por dinheiro vende a própria mãe pro diabo
Tem a cara cínica e põe o dedo na ferida
Diz ser honesto de ficha lisa que só quiabo
Uma grande irmandade de pilantra e caloteiro
Sapato brilhoso e com um português escasso
Diz receber ordens do alto pra pegar teu dinheiro
Porque ele carrega um Jesus embaixo do braço
IV
Comigo não tem vez esse tipo de gente
Que põe a bíblia na frente pra fazer falcatrua
Homem de Deus que um dia foi delinquente
Saiu da cadeia pra virar um bode de rua
Acredito em Deus que é poderoso e não dorme
Que vira a cara para os bodes do mundo devasso
Acredito que esses caras tem uma dívida enorme
Por carregar um Jesus embaixo do braço
V
Descobrindo que você é presa faci
Ele cisca que nem pinto na merda
Faz cara de choro mas é um traste
Fala as mentiras que aprende e herda
Por isso leitores de trabalho e conduta
Tou puto da vida por isso regaço
Cuidado que só tem fio da puta
E carrega um Jesus embaixo do braço
VI
Faz toda uma gritaria pra impressionar
Escandaliza, chora, berra e dá pulinho
Dá nó em pingo d’água e começa a orar
Se altera, dá porrada e fala baixinho
Arregala os olhos pra baixo pra ver o teu bolso
Ver se tua carteira tem recheio e inchaço
Desocupado que come a carne e deixa o osso
E carrega um Jesus embaixo do braço
VII
Servem a um Deus cheio de ira
Tirano, ganancioso e ameaçador
Assaltante, vigarista cheio de mentira
Um poço de ignorância e de rancor
Representado por um grande vacilão
Que dança numa musica fora de compasso
Que tem cocô na cabeça que nem camarão
E carrega um Jesus embaixo do braço
VIII
Um personagem que visa dinheiro
Se não der, então esqueça a salvação
E vai penalizar no mundo inteiro
E cata no teu bolso qualquer tostão
Diz que todo pão duro vai pro inferno
Grita na rua com todo esse estardalhaço
Em sol causticante de gravata e terno
E carrega um Jesus embaixo do braço
IX
Que convence os homens de bom coração
Prometendo cura, e moradia no céu
Diz que dinheiro Jesus gosta de montão
Mas devolve com ouro e favos de mel
Convencendo multidões a ouvir o calhorda
Fazendo na rua, um circo sendo ele o palhaço
Dizendo que vai arrancar do pescoço a corda
Porque carrega um Jesus embaixo do braço
X
Diz ele que é o dono de toda oratória
Vocação lhe dada por Deus pai de Jesus
Safado que convence no papo e na história
Prometendo uma casa, dinheiro e muita luz
Que a bíblia é pra quem tem don e não mente
Empolga-se quando chega perto de um ricaço
Promete levantar defunto e curar doente
Porque carrega um Jesus embaixo do braço
XI
O pior é que o povo é inocente e acredita
No espertalhão suado, cansado e engomadinho
Quanto mais necessitado pra ele facilita
Convencer depois de tratar com amor e carinho
Não tem no cu que o mosquito roa
Não pede esmolas porque não tem um saco
Não passa de um espertalhão e vagabundo á toa
E que carrega um Jesus embaixo do braço
XII
Quem já foi enganado pelo homem de Jesus
Sabe muito bem do que estou delatando
Eles que deveriam tá no caminho da luz
Vivem por aí enganando e nos assaltando
Lavar o nosso cérebro ele faz muito berm
Uma arte própria de um mundo devasso
O povo humilde concorda dizendo AMÉM
Com ele que tem um Jesus embaixo do braço
XIII
Sem vergonhas de paletó bem alinhado
Esses homens dizem ter a salvação
No futuro vão prestar conta do passado
E diante do homem tem que ter uma explicação
Escutem bem todas as minhas expressões
Faça agora o que eu digo não faça o que eu faço
Exponho aqui as minhas indignações
Daquele que diz ter um Jesus embaixo do braço
XIV
A justiça divina tarda, mas não falha
E quem errou vai ter que reparar o erro
Sepultura cavada, flores e mortalha
Marcando o dia do seu próprio enterro
Ninguém vai derramar uma só lamentação
Dizendo pro traste que fez de Deus, palhaço
Coisa ruim que não teve amor no coração
Leva agora um Jesus embaixo do braço
XV
E no dia juízo e do julgamento final
Vai ter o nome de cada um no mural eterno
E que na terra Deus arraste todo o mal
O diabo agradece e o espera no inferno
O castigo não vem de jegue, vem á cavalo
Pra aquele que se acha ter o nervo de aço
Que todas as palavras desçam pelo ralo
Arrastando o que tinha um Jesus embaixo do braço