O CASEBRE O VELHO E A SUA PIRRAÇA
Pirraça nome perfeitamente adequado ao local
Triste inóspita e vazia era sua paisagem
Invadido o casebre cedeu espaço ao capinzal
Apenas uma trilha estreita dava passagem
Aonde um dia foram os bem cuidados terreiros
Parecia inabitável de plantas nem sinal tinha
Sobre as paredes avançavam um espinheiro
Sedentas trepadeiras malignas e erva daninha
Era domingo agosto de sessenta e quatro
Minha esposa e eu dirigimos àquele cenário
Levávamos além de leite, comida em um prato
O sol impiedoso castigava-nos como a um mercenário
Secara tudo que tinha de vede no mato
-- Oh de casa aqui estamos, somos nós novamente!
-Vai se intrano se achegue, vem capradento
Respondeu com a voz trêmula aquele pingo de gente
Seu pobre leito imundo sobre quatro estacas
Montinho de palhas num trapo de colchão
Uma lamparina preta água morna numa lata
Um prato velho uma panelinha cheia de carvão
Enquanto alimentou forçadamente um pouquinho
Minha esposa fez uma ligeira faxina naquela sujeirada
A quinhentos metros distantes corri ao Corguinho
Trouxe água numa cabaça e numa lata enferrujada
Tentei convencê-lo aceitar um tratamento
Ele tossiu esbravejou deu uma bronca danada
Vai simbora cuida docê dexa ieu qui trevivento
Larga ieu adonde me achou num quero nada
Não está mais aqui quem falou tudo bem
Fiquei como está se é assim seja feito seu querêr
Estou indo amanhã no almoça a gente vem
Pricisa mais não já ti falei qui num quero nem ti vê
Aquilo não me deixou nem um pouco irritado
Sai lamentando aquele quadro tão deprimente
De certa forma triste e muito preocupado
Lamentando a situação daquele miserável indigente
Caminhávamos minha esposa e eu conversando
Tentando achar uma melhor solução,dirrepente
Estávamos a um quilometro distanciando
Ouvimos barulho de fogo à margem do Corguinho
Uma estraladeira infernal chamas se alastrando
Lembrei-me do pobre velho no seu ranchinho
Voltei em disparada imaginei o seu rancho queimando
Seu Emidio me dê logo seu fósforo e sua enxada
Vem ai um incêndio levante pra não se queimar
Valeu-me a força e a ferramenta bem amolada
--Ieu levantá ocê sabe qui nu num dô conta de nada
Pedi a Deus ajudar-me mudando a rota do vento
Logo abaixo atravessava o vestigio de uma velha estrada
Implorei ao pai com toda minha fé e sentimento
Comecei a limpá-la de onde veio minha força eu não sei
Trezentos metros de aceiro numa fração de tempo
Desta vez recorri ao protetor do vento São Lourenço valei
O milagre aconteceu as chamas de dois metros de altura
Numa velocidade incrível acalmava sua bravura
O vento mudou seu roteiro ao contrario
Soprava forte e veloz fazendo uma varredura
Estendi agilmente um contra fogo margeando o aceiro
Numa ansia infernal nervoso o fogo lambia o matagal
Olhei para o casebre o velho vinha sorrateiro
--Isso é arte dos fios do Maricota aquês capitinha
Ele arrendou esse pasto da viúvinha dona daqui
Mode ponha boi Carrero ieu iscuitei ua cunvirsinha
Anssim cocê foi imbora a praga ponhô boi ai
--Tenho que os alcançar antes que façam mais arte
Apesar de sua fraqueza no caso do fogo reacender
Pra seu o rancho não queimar faça agora sua parte
Logo eu venho lhe ajudar agora tenho que correr
Chegando a minha casa encontrei lá os dois arteiros
Encima duma goiabeira com as caras mais lavadas
Comia o miolo das goiabas jogava as cascas no chiquero
Perguntei o que faziam se eram os donos da cavalhada
--Taveno Dinho num falei cocê mode apagá nosso rasto
Agora vai curpà nois mode aquele fogaréu danado
--Ah vieram trazer os bois botaram fogo no pasto
--Fosco cu neném comprô na venda dilá dôtro lado
Tive que prometê-los nada dizer aos seus pais
Para que me entregassem o fósforo assim evitando
Novos incêndios naqueles ressecados matagais
Na fazenda vizinha o fogo ia tudo devorando
Verdadeira amostra grátis do inferno naquele chão
Voltei ao casebre encontrei o velho resmungando
Correr ao Corguinho a busca de água era única opção
Apagar os estrumes secos que estavam fumegando
O calor insuportável e velho tentando respirar
Imagine a triste situação, dos vizinhos nem sinal
Não sei talvez por medo de ter que me ajudar
Aquele pobre naquela desolação infernal
Arrisquei e propus levá-lo comigo para a casa
Foi à gota d’água que faltava pra me apedrejar
--Sabia quesse negoço de ajuda ieu cê ia Tuma asa
Vai simbora vê se toma vergonha para de mim amolá
Ao tomar um copo d’água ou minha refeição
Meu pensamento voava buscando sua imagem
No desleixado casebre naquela desolação
Sua voz quase inaudível parecia miragem
Martelava continuamente na minha imaginação
Meus recursos financeiros eram limitados
Possuía um cavalo ruim de sela e uma carroça
Eu vivia da roça com insuficientes resultados
As estradas de acesso ao Engenho pra lá de ruim
Quando sua enfermidade evoluiu e se agravou
Febril e inconsciente paralisando seus rins
Apareceu uma alma generosa que me ajudou
O levei ao médico que o internou no hospital
Foi medicado recuperando satisfatoriamente
Ele sem a mínima noção do que era real
Avisei aos seus filhos e demais parentes
Mas pouco ou nada resolveu ninguém apareceu
Talvez a pobreza ou a maneira por ele criada
Olho por olho dente por dente plantou colheu
Neste Ínterim uma das filhas procurava morada
Marido doente uma dúzia de filhos para criar
Veio à busca da caridade alheia, desesperada
Acolhidos por vicentinos vieram no Engenho morar
Problema solucionado logo eu imaginei
Gente simples abaixo do nível de pobreza
Ledo engano aumentou o problema constatei
Pior que à própria pirraça donde residia
O velho brigou deu no pé fugiu do hospital
Sol a pino estrada de terra em pleno meio dia
Um fazendeiro que trafegando em sua rural
O apanhou levando-o entregou a sua filha
Recebi a recompensa quando por La passei
Ocê vai leva ieu vai-me ponhá adonde me tirô
Puveitô de ieu num dano fé de nada me ponhô
No meio daquele inferno me trata ponhá no meu lugá
Sem problema amanhã mesmo o senhor estará Lá
No dia seguinte fui de carroça apanhar o teimoso
E o velho? -- já foi pegou garupa num carro de boi
Voltei a cuidar do meu trabalho embora pesaroso
Não resisti minha consciência cobrava-me
Fui até seu casebre pela manhã no outro dia
O encontrei vazio seus pertencem não estavam
Perguntei para o vizinho foi morar cassua fia
O memo carro de boi qui trouxe levô ele patraz
Sente-me aliviado dei por cumprida minha missão
Dias após em minha casa o recado através dum rapaz
--Meu Vô morreu falaro sem ocê vê ele, num vai interrá não!
****Esta é uma história verídica ocorrida com um pobre velho que viveu abaixo do nível da pobreza na década de 60 o encontrei por acaso ao procurar um porco que fugiu do chiqueiro