Eu sou de um tempo que... Autor: Damião Metamorfose.
*
Eu sou do tempo que o tempo
Passava bem devagar.
Do tempo que eu tinha tempo
Pra vê o tempo passar
Hoje eu sinto nostalgia
Do tempo que eu podia
Ter tempo para sonhar!
*
O trem pra se viajar
Era a vapora, “água e lenha”
No meu tempo a mulher grávida,
Era embuchada ou prenha...
E um jornal bem editado,
Tinha um nome respeitado
E era chamado: resenha!
*
O namoro lá da “brenha”
Tinha o pai e a mãe no meio.
Os pais da moça é claro
E mesmo nesse aperreio.
Eles arrumavam um tempo
E casavam a contratempo,
Com a noiva de tanque cheio!
*
O horário do recreio
Era pra descontração.
E pra alumiar a casa
Usa-se um lampião.
A festa era cantoria...
E a missão a gente ia
Pra ouvir frei Damião!
*
Quando se falava oitão
Era a lateral da casa.
Tempo que azarar mulher
Era arrastar a asa.
E a calça de tergal,
Terilene, tropical...
Se engomava em ferro a brasa!
*
Eira e beira de uma casa,
Era a classificação.
De quem era rico ou nobre
Ou pobre sem um tostão.
Hoje tudo está mudado,
Tudo junto e misturado,
Ninguém usa mais brasão!
*
Casal, família, união...
Era uma coisa sagrada.
Ele era respeitado
E ela era respeitada.
Hoje mudou, tanto faz,
Moça,menino, rapaz...
A coisa está liberada!
*
Sair para uma caçada
Era pra pegar veados
E outros bichos ruminantes
Que dava pra ser caçados.
Depois da devastação,
Só quem cai nessa armação,
São os tais... Domesticados!
*
Os ricos e os abastados
Eram os que tinham dinheiro.
Porém só batava o básico,
Pra ser feliz por inteiro.
Com o mundo globalizado,
Quase tudo está mudado
Feliz é ser o primeiro!
*
Casa com um bom banheiro
Não era pra todo mundo.
Tevê era em preto e branco,
Chaplin ilustre vagabundo.
No meu tempo um palavrão
Rendia surra pra não
Ter vocabulário imundo!
*
No calabouço mais fundo
Puniam-se os delinquentes.
Porque era olho por olho
E também dentes por dentes.
Hoje está bem melhor
Porém já foi bem pior
Morreu tantos inocentes!
*
No meu tempo o pai da gente
Mandava e ia ligeiro.
Hoje quem quiser que faça
E tem que ser por dinheiro.
Ninguém faz nada de graça
E assim o tempo passa
Feito nuvem ou nevoeiro!
*
Sou do tempo do cruzeiro,
E do famoso cruzado
Que me acertou em cheio
E eu fui nocauteado.
Eu tinha quase um milhão
E acordei com cinquentão...
Mais não era liberado!
*
Quem vivia do roçado
Tinha por obrigação.
Milho, fava e gergelim,
Feijão de corda, algodão...
Sem tempo não se estudava
E a gente só trabalhava
Sem folga e sem diversão!
*
Chamar senhor, um ancião,
Hoje quase ninguém chama.
A educação mudou
De tudo o filho reclama.
Sou tempo que a criança
Sonhava com a esperança,
Independente da cama!
*
Naquele tempo o IBAMA
Assustava o infrator.
Hoje nem com altas multas
Ou com um torturador...
Incomoda essa cambada
Que mantém ave trancada
Só por ter alto valor
*
Sou do tempo que o senhor
Do cacau, é da Bahia.
Política café com leite
No Sudeste se fazia.
E um fio de cabelo
De bigode era um apelo
De honra a cidadania...!
*
O jogo com um tapia
Era um golpe preferido
E o político safado.
Ficava sempre escondido.
Hoje existe a trambicagem,
Mas com a moderna sondagem
Vez enquanto um é punido!
*
O assaltante ou bandido,
Pena leve ou violento.
Pagava pelo seu crime
Com a morte ou sofrimento.
Coronéis ou cangaceiro
Profissional pistoleiro...
É que dava o julgamento!
*
Sou do tempo que o jumento
Como disse o Gonzagão...
Era um meio de transporte
Resistente, herói, irmão...
Hoje o jumento, coitado,
Por carros é esmagado,
Nosso herói virou vilão!
*
Ter um médico de plantão
Era uma novidade.
E eles eram mais famosos
Que o prefeito da cidade.
Hoje em toda esquina tem
Um que atende, mal ou bem,
Melhorou muito, é verdade!
*
Rico não tinha um milhão
No tempo dos coronéis.
Tinha bois, tinha fazendas...
Tostões, cruzados e réis.
Os ciclos de amizades
Seja nos sitio ou cidades,
Eram muito mais fieis!
*
No meu tempo era em tonéis
Que a boa pinga vinha
E era muito mais forte
Que chá de folha de “pinha”
E o mais famoso ditado
Que no meu tempo era usado
Era: ”é pior que a tinha”
*
A plebéia ou a rainha
Casava sempre donzela.
Com pobre ou milionário
Os sonhos de Cinderela...
Era um amor de verdade,
A honra e a fidelidade
Pra vida inteira com ela!
*
O cobertor era aquela
Pesada tanga de rede.
E o ventilador de pobre...
Bater com o pé na parede.
Na cabaça ou na quartinha,
Pote na sala ou cozinha,
Era onde eu matava a sede!
*
Os dizeres: cadê-quede?
Era a pergunta primeira
Quando um ficava surpreso
Com alguma brincadeira.
Naquele tempo era assim,
“Éramos tupiniquim”
Que honrava a nossa bandeira!
*
Naquele tempo, algibeira
Era o que hoje é a porchete.
O comprimido de hoje,
Nós chamava de cachete.
E a moto mais potente
Que eu vi antigamente
Era a tal da leonete!
*
Sutiã era corpete,
Coisa ruim era o capeta
A arma que pobre tinha
Em casa era a de espoleta.
O boné não existia
E o chapéu que mais se via
Era de massa ou vaqueta!
*
Brincar com uma carrapeta
Era coisa pra menino.
Ouvir nossos pais contando
Estórias de Virgulino...
Era comum nas noitadas
Nos alpendres e latadas
Nos casebres nordestino!
*
No meu tempo o Jesuino
Brilhante, era cangaceiro
No Rio Grande do Norte
Em Patu, seu berço herdeiro.
E a fama do garanhão,
“Hobin Hood do Sertão”
Por ser sempre um justiceiro!
*
Sou do tempo que o terreiro
Não era macumba não.
Era a extensão da casa,
Na frente, ao lado o oitão.
Hoje com a modernidade,
Tem “terreiro” da maldade
Que bebe o sangue do irmão!
*
Eu dou do tempo que o pão
Era menos indigesto.
Que a mesa era mais farta
E se tinha menos resto.
Os tempos são desiguais
Se vão e não voltam mais,
Mas registrei meu protesto!
*
Fim.