O ELEITOR MATUTO QUER SABER, O PREFEITO DOUTOR EXPLICA...

As perguntas do Eleitor Matuto:

Meu prefeito eu nada pussuio

Já o sinhô de tudo tem

Porém a razão de cada

Nessa minha vida marvada

É coisa que me convém

Meu prefeito tem boa vida

Tem gado, tem mordomia

Tem dinheiro e posição

Já eu, num pussuio nada

Vivo de mão calejada

Na roça do meu patrão

O que desejo saber

Pode o sinhô me dizer

Sem medo e sem afrição

Pode ser firme e sincero

Eu juro cuma num quero

Mexer ai em seu quinhão

Fale sero seu prefeito!

Certo cuma a exatidão

O que é que o siô fazia

Assim famoso,e letrado,

Se visse assim de repente

Cuma eu, um indigente,

Trabaiano em minha roça,

Assim mermo cuma tô...

Sem direito e sem razão

Um cativo agregado

Morano numa paioça

Mulambento, mão calosa

O que fazia o siô?

E inquanto no meu roçado

Cuidasse bem do meu gado

Me visse todo equipado

Bem vestido e prefumado

Entrar prá dentro dum carro

Sem oiá seu sacrifiço

E o sinhô se acabano

Trabaiano, trabaiano,

E se matano em meu selviço?

O que meu prefeito fazia?

Se fosse só meu inleitor,

Trabaiano todo dia

Bem por fora do valor?

Me veno num palacete,

Saboreano banquete

Daqueles que o sinhô come,

E o sinhô no meu roçado

Trabaiano no alugado

Doente e passano fome ?

O que o siô prefeito fazia?

Se a coisa fosse assim,

Trabaiano o ano inteiro

Num sacrifiço sem fim

Sem obter resurtado

Daquele montão de gado

Que tão bem você cuidou

Pense lá e num se disgoste,

Se for pussive arresposte

O que fazia o sinhô?

Respostas do Prefeito:

O que você perguntou

Pobre infeliz agregado

Com a resposta que eu dou

Eu garanto que eu vou

Deixá-lo mais humilhado

Se você fosse o prefeito

Eu não teria direito

E já estaria morrendo,

Era um grande padecer

Não quero nem pensar aqui

Pois teria que assumir

O que você está fazendo

Porém eu tenho cuidado,

Aprendi o pulo do gato

O meu bote é sempre certo

E o povo tem um ditado

Que eu acho muito acertado,

O mundo é dos mais espertos

Eu fui um menino pobre

Mas sempre contei com a sorte

Nessa vida de estradeiro

Essa tal honestidade,

Só atrapalha a habilidade

De quem quer ganhar dinheiro

Eu, pra fazer um fuxico

Fui o melhor do lugar

Sabia bajular o rico

Vivia a politicar

O fiado que eu comprava,

A conta eu sempre negava

Eu jamais me saí mal.

E prá fazer mão de gato,

Em favor de candidato

Nas eleições fui o tal

Roubar no peso e medida,

Sem o freguês perceber

Foi coisa que em minha vida

Sempre me deu prazer

Sempre tive inteligência,

Que aliada a competência

Fazia-me sair tão bem

Assim eu fui pelejando,

Me virando, me virando,

E hoje, sou rico também

Tenho fazenda de gado

Possuo grande estrutura

É a custa do eleitorado

Que eu arranjo fartura

O que é meu, só vendo caro

Eu só compro muito barato...

E os votos do eleitorado,

Com os de meus agregados,

Eu já conto antecipado.

Hoje, sou homem do meio

Apareço no jornal,

Tenho carro de passeio

E freqüento a capital

Se caso alguém eu engano,

Concluo analisando,

É fraqueza da matéria

Quanto a você pobre eleitor,

E a cada um morador

Deixo tudo na miséria.

Me pergunta o que eu faria

Se os papeis fossem trocados

Em vez de um bacharel

Fosse eu um pobre coitado

Que desaforo horrendo!

Você pergunta com um gesto

De homem pobre e honesto

Porém fique você sabendo,

Que nesta cidade morando,

Em minha pessoa votando

Passa a vida me pagando

Ainda morre me devendo

Com a minha autoridade

Calo de vez sua boca

A minha palavra é lei

A sua razão é pouca

E você está ferrado...

Sou rico, sou poderoso,

Sou político de posição

Enquanto você infeliz

Leva a vida por um triz

Há muito, está condenado

Quando você perguntava

Achou que me enrolava

Me expondo o seu clamor?

Tomaste errado esse bonde,

É assim que político responde,

A pergunta de eleitor.

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Texto adaptado da obra do poeta cordelista

Antonio Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré)

Patativa do Assaré, o maior poeta de cordel que tive o prazer de conhecer, faleceu em 2002, em sua casinha de roceiro pobre, no Sítio Serra de Santana, município de Assaré – CE., onde morou durante toda a sua vida, fazendo o que mais gostava: tocando viola, fazendo versos e plantando de tudo no seu querido e pequeno sítio, herança do seu pai.

escreveu e editou dois dos mais importantes livros de poesia caipira. “ Cante lá que eu canto cá “ e “ Fulô e ispinho” , além de inúmeros folhetos de cordél.

Deixou uma obra de valor inestimável, que ainda vai gerar muitas teses e muitos bons frutos hão de gerar. sempre terá o que se falar desse grande poeta, que soube como ninguém, expressar em versos o que vem da alma de seus irmãos de exclusão, denunciando através de seu cordel, escrito de forma sutil e corajosa, as injustiças sofridas pelo pobre homem da roça.

O Brasil e o mundo, deve a Patativa do Assaré, o melhor dos agradecimentos. “ o reconhecimento da sua obra”.

Que os seus versos, ainda liberte o grito preso das apertadas gargantas do excluído povo nordestino, fazendo-o lutar mais pelos seus direitos e pela sua dignidade.

Poeta J. Pinheiro

Poeta J Pinheiro
Enviado por Poeta J Pinheiro em 26/09/2012
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