PESADELO MONETÁRIO

Quando eu era menina

Conheci uma vizinha

Gente boa pra danado

Porém um tanto mesquinha

O nome dela, eu me lembro,

Era dona Mariazinha.

Ela tinha uma bodega

Uma boa mercearia

Vendia um monte de coisas,

E ganhava todo dia

Um punhado de dinheiro,

E num saco escondia.

Entretanto, o seu marido,

O bon vivant seu João

Era mesmo um gastador

Espalhado e comilão,

Um tanto namorador,

Vivia em confusão.

Para fazer refeição

Dona Maria, coitada,

Um taco de fruta pão

Ou uma batata assada,

Era isso o que comia,

E a grana toda guardada.

João era bem diferente

Gostava de coisa boa,

De vez em quando avançava

No dinheiro da patroa,

Se a velha descobria

Virava uma leoa..

Havia ainda um problema

Uma terrível questão,

Maria tinha uma filha,

De uma outra união

Que certa vez engravidou

E o pai era João.

Maria quase morreu

De tanta decepção

Porém a filhinha dela,

Não dava nem atenção,

E com três anos já tinha

Três filhinhos de João.

E certo dia Maria

Tomou uma decisão,

Mandou a filha embora

E ficou com seu João

E pra criar os netinhos,

Vejam só que confusão.

Ela era econômica,

Não gostava de gastar

Para alimentar os netos

Vivia a reclamar,

Era um quilo de farinha,

E meio de macassar.

Sabe o que é macassar?

É o feijão furadinho

O cara come à tarde,

E à noite, coitadinho,

As tripas ficam roncando

E o estômago sequinho.

Pois era essa a refeição,

Que a nossa dona Maria

Fazia para seus netos,

E era quase todo dia,

Havia outro cardápio

Mas pra mudar, que agonia!

De vez em quando ela assava

Uns peixes pequenininhos

Cozinhava umas batatas,

E dava para os netinhos

Os pobres iam dormir,

Com os buchos inchadinhos.

Entretanto seu João

Quando chegava à cozinha

Fazia uma buchada,

Cabidela com galinha,

Aquilo tudo irritava,

A dona Mariazinha.

Ela ficava danada,

Começava a reclamar

- Esse desgraçado velho

Tudo o que tem quer gastar

A gente trabalha tanto,

Para sem nada ficar.

E o medo de ladrão?

Dona Maria, coitada,

Trabalhava o dia todo

À noite ficava sentada,

Com um pedaço de pau,

Esperando a gatunada.

Passava horas e horas,

Noites e noites, sem fim

Bordando, fazendo renda,

Biscoitos e alfenim,

E com medo de ladrão,

Rezava pro Querubim.

Dizia ela: - meu anjo,

Eu lhe peço, por favor,

Que me ajude a guardar

Minhas coisas de valor,

Não quero que o ladrão leve

Nem sequer um cobertor.

Imagine, meu dinheiro

Que ganho com tanta luta,

Se ele me leva a grana,

Acho que fico biruta

Pra ganhar sem sacrifício

Só virando prostituta.

Eu pego as minhas rendas

E ponho numa sacola,

Amarro bem direitinho,

Não tiro nem pra esmola

Passo a noite acordadinha

Só pra ver se isso cola.

O ladrão não é nem doido

De se atrever a me roubar

Vou ficar de olho aberto,

Sem poder nem cochilar,

Porque aquilo que é meu

A ninguém vou entregar".

As noites iam passando

Maria ficando fraca,

Quando o sono chegava

Ela tomava garapa,

Sentada num tamborete,

Não abria nem pro Papa.

Mas certo dia Maria

Cochilou um bocadinho

Sentada atrás da porta

E sonhou com um bichinho,

Uma espécie esquisita,

Com um rabo e dois chifrinhos.

Dizia o bicho: - Maria,

O ladrão vem te roubar

O teu dinheiro, todinho,

Ele vai surrupiar.

Maria soltou um grito

Que chega estrondou no ar.

Os vizinhos escutaram

Esse grito de agonia,

Era um só comentário,

Nas janelas, no outro dia.

Todo mundo a perguntar:

O que houve com Maria?

No entanto Mariazinha,

Continuava calada

Agarrada a seu bornal,

Um tanto meio assustada,

Com os olhos arregalados

Varava as madrugadas.

Dizia: - Ó meu Jesus!

Isso é um pesadelo

Numa terra de ladrão

A gente tem que ter zelo

Senão fica sem dinheiro,

Sem os dentes, sem cabelo.

Eu já estou ficando doida,

Eu não aguento essa vida

Trabalhar o dia todo

E à noite, tão desvalida,

Montar guarda pro gatuno

Não roubar minha comida.

Chegou a noite outra vez,

Dona Maria cansada

Fechou os olhos de novo

Viu uma cena danada,

Uma coisa tão escabrosa,

Que ficou arrepiada.

Um homem mal encarado

Parecido com o Cão

Puxava-lhe o bisaco,

Ela gritava que não,

O bisaco se rasgava,

O dinheiro ia pro chão.

Ela dizia:- - Demônio,

Nem se você me matar

Não tenho medo de nada,

A grana não vou lhe dar

Se levar meu dinheirinho,

Vou ao inferno buscar.

Maria sonhou também

Que esse diabo ladrão,

Pegava-lhe no pescoço

E exibia um facão,

Foi um tremendo alvoroço,

Que sonho! Que confusão!

A velha abriu os olhos,

Deu um pulo da cadeira,

Bateu com o quengo no chão,

Foi mesmo uma quebradeira

Pensou que ia morrer,

Que era a noite derradeira.

Dizia ela: - Eu não ligo,

O pé não vou arredar

Quando chegar a noitinha,

Uma roupa vou costurar,

Fico bem atrás da porta,

Quero ver o que vai dar.

As noites iam passando,

Maria ficando fraca,

Quando a fome apertava,

Ela tomava garapa

Já tava com a cara inchada,

Parecendo com uma sapa.

Mestre João continuava,

A comer o que queria,

Mungunzá, buchada, tripa,

E bolacha regalia.

Também não tirava os olhos,

Do bisaco de Maria.

Às vezes ele fazia,

Uma grande feijoada,

Comia junto aos netos,

Ela ficava arrasada,

Botava os olhos na panela,

Porém de boca fechada.

O dinheiro ia aumentando,

Ela sem querer dormir,

Passava a noite sentada,

A bordar e a cerzir,

Agarrada ao bornal,

Com medo dele sumir.

Porém um dia, cansou,

Não deu mais para agüentar,

Tirou uma cochilada,

Começou logo a sonhar,

Que seu marido João,

O dinheiro ia pegar.

Ela havia juntado,

Uns oito contos de réis,

A gente ainda estava,

No tempo dos coroneis,

Pra juntar esse dinheiro

Vendeu até os aneis.

Agora era demais,

João, além de comilão,

Aparecia no sonho

Como se fosse um ladrão,

Dona Maria falou,

-Deixa-o vir, não dou, não"!

Pensou: "vou arrumar jeito

De esconder meu dinheiro,

Nem que eu abra uma botija,

Ou mande pro estrangeiro,

Não deixo cair na mão

Desse velho interesseiro".

À noite, foi à cozinha,

E olhou para o fogão,

Fez um buraco na cinza,

Botou lá o dinheirão,

Tomou café, foi à sala,

Costurar um casacão.

Porém o sono era tanto,

Que ela não aguentou,

Deu uma furada no dedo,

Chega o sangue espirrou,

Lavou, fez um curativo,

Armou a rede e deitou.

Com menos de dez minutos,

Começou logo a sonhar,

Alguém dizia: -Maria,

O dinheiro vim buscar.

Ela o mandou pro inferno,

Disse: - Lá é seu lugar.

Continuou a dormir,

Somente de manhãzinha,

Abriu os olhos cansados,

Dirigindo-se à cozinha,

Para fazer um grolado

De água quente com farinha.

Cortou graveto, arrumou,

Pôs em baixo do fogão,

Depois pegou a garrafa,

Jogou álcool num tição,

Começou a pegar fogo

Começou a maldição.

Mais tarde, dona Maria,

Mais ou menos descansada,

Lembrou-se do pesadelo

Que teve de madrugada,

Saiu correndo, amarela,

Com a cara de assombrada.

Botou a mão no fogão,

E descobriu, sem consolo,

Que não havia dinheiro,

Quis esquentar o miolo,

Mas depois pensou consigo,

Aquilo era um sonho tolo.

De tão cansada, pensou

Que estava vendo visagem,

Disse: - Do jeito que estou,

Findo encontrando passagem

Para o quinto dos infernos,

Vou ficar na desvantagem.

E deu mais uma olhada

Para o seu velho bisaco,

Bem fechado com uma corda,

Amarrado ao seu sovaco,

Disse:- Vou dar uma sorva,

Nesse marido velhaco.

Mas nessa hora sentiu

Uma dor no coração,

Botou a mão no bisaco,

Não encontrou nem tostão,

Lembrou-se então que o havia

Escondido no fogão.

Voltou, apagou o fogo,

E procurou o dinheiro,

Somente um monte de cinzas,

Foi o que ela viu, primeiro

Soltou um grito tão alto,

Que era puro desespero.

A vizinhança correu

Pra ver o que acontecia,

Ela estendida no chão,

Já quase ao meio dia

E João convidando o povo,

Pro enterro de Maria.

Mais tarde ela acordou,

Quase meio malucada,

Dizia coisa com coisa,

Numa agonia danada,

Todo mundo já pensava

Que ela estava pirada.

Minha mãe disse: - Maria,

O que foi que aconteceu,

Você estava tão bem,

De repente adoeceu,

Foi raiva de Seu João,

Ou que bicho lhe mordeu?

Ela respondeu:- Amiga,

Vou te dizer um segredo,

Queimei o meu dinheirinho,

Vou embora pro degredo,

Eu tanto economizava

Mas de ladrão tinha medo.

Maria ficou sem nada,

Sua fortuna acabou,

Havia vendido tudo,

Nada mais ela comprou

Fechou a venda e a cara,

Entristeceu... Endoidou.

Vivia pelas calçadas,

Às vezes cantando loa,

Dizendo que era rica,

Fingindo que era boa,

E que se fosse mais moça,

Virava mulher à toa.

Assim termina, sem glória,

O calvário de Maria,

João pulou logo fora,

Foi embora com Luzia,

Deixou a velha sozinha,

Com sua mesquinharia.

Apesar de menininha,

Lembro-me do acontecido,

Lamento que a Maria,

Tão pobre tenha vivido,

Só juntando o dinheiro

Que em cinzas foi reduzido.

Maria e Seu João

E história verdadeira,

Deles não vou esquecer,

Pela minha vida inteira,

Não me chamem a provar,

Eu digo que é brincadeira.

(Texto publicado em Talentos wiki em 20/03/2010)

Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva

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Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 09/08/2012
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