A SAGA DE CHICO PRIQUITO RUMO AO CÉU

I

Era cabra valente e pequenino

Até mesmo por sua profissão,

Foi coveiro com dom e vocação

Foi casado por força do destino,

Era feio, baixinho e bem franzino,

Mas gigante de fama e de coragem,

Enfrentava fantasma, alma, visagem,

Não temia defunto nem vivente,

Vem daí sua fama de valente

Esculpida sem dó na malandragem.

II

Mas um dia fatídico e cruel,

Foi a vez de o Priquito definhar,

Uma tosse estridente de lascar,

Encaminha o coveiro rumo ao céu.

Bateu pernas e foi pro beleléu,

Outro alguém lhe cavou a cova fria,

Umas vinte beata em romaria

Lhe deixaram na última morada

Numa tarde bonita e ensolarada,

Sepultaram seu Chico à luz do dia.

III

Quando deu-se por conta ter morrido,

O finado se viu ressuscitado,

Noutro corpo, bem mais aparelhado,

Mas ainda magrinho, esmilinguido,

Se olhou, encantado, estarrecido,

E pensou: Eu estou na outra vida,

Vou ligeiro pro céu pedir guarida,

Antes que o capeta me apareça,

E até pode ser que eu não mereça,

Mas eu quero é a terra prometida.

IV

Procurou ao redor, não achou nada,

Nem a luz, nem o túnel incandescente,

Não viu santos, nem anjos e nem gente,

Se sentou na soleira da calçada,

Esperou uma meia hora e nada

Ninguém veio pegar na sua mão,

Nem Jesus e nem mesmo o cramunhão

Veio aqui lhe ajudar na travessia,

Foi então que lembrou-se de Maria

E clamou pela sua intercessão.

V

-Minha nossa Senhora Aparecida,

Me valei nessa hora de agonia!

Era só o que Chico repetia,

Com a alma sozinha e desvalida,

Se eu nunca lhe fui devoto em vida,

Me perdoe, eu estou arrependido,

Sem caminho, sem rumo estou perdido,

Venha aqui me valer, por caridade,

Que eu não quero ficar nessa cidade,

Até mesmo depois de ter morrido.

VI

Nisso abriu-se um clarão muito profundo

Aparece uma moça bem morena,

Era santa Maria Madalena,

Padroeira das quengas desse mundo,

Disse:_Venho buscar-te,moribundo,

A pedido da mãe do Salvador,

A quem tu imploraste por favor,

E não pode ver pobre recorrente,

Faça cara de fervoroso crente

Para ir ao encontro do Senhor!

VI

Foram embora os dois,Chico e a Santa,

Ela séria, ele desconfiado,

Vagueando nas nuvens, lado a lado,

Numa velocidade que espanta,

Pra quebrar o silêncio, Chico canta,

Uma ave Maria de cordel,

Finalmente chegaram em frente ao céu,

Onde um velho simpático e bonachão,

Tinha a chave que abre o portão

E que barra se a alma for incréu!

VIII

Avistando o porteiro, Chico grita:

-É São Pedro, eu cá lhe reconheço,

Diga logo, meu santo, se eu mereço

Adentrar nessa terra tão bonita,

Com essa santa tão boa e tão bendita,

Enviada por minha mãe querida,

Eu que tive uma vida tão perdida,

Pecador reconheço meu pecado,

Mas não quero ficar só encalhado,

Vim buscar a morada prometida!

IX

-Muito bem, seu Francisco, sua ficha

Tenho em mãos pra poder lhe avaliar:

O senhor se prepare pra escutar

Que é extensa e de vez em quando espicha.

Ta lembrado do enterro de uma bicha

Que o senhor se negou a enterrar?

E da quenga Nezinha de Dada?

Que morreu só por causa de um caroço?

E aquele da corda no pescoço,

Que o senhor, nem a cova quis cavar?

X

-Meu São Pedro, eu posso lhe explicar:

Foi a bicha,que antes de morrer

Confessou para o padre Balêlê

Que não era pra eu me aproximar,

Que nem morto queria escutar

O meu nome que ele abominava

Pois sequer dessa fruta ele gostava

Preferiu o coveiro Zé Pau Dado,

Só assim, ele ia sossegado

Acercado das coisas que amava.

XI

Quanto a quenga Nezinha, eu reconheço,

Eu não quis lhe fazer a despedida.

Ela foi o amor da minha vida

A tão grande a paixão que não tem preço

Só, em casa, eu ate rezei um terço,

E chorei de saudade da coitada

Nosso amor que afinal não deu em nada

Virou cinza na luz de um cabaré

Eu também encontrei outra mulé

Porém nunca esqueci essa danada.

XII

E o cabra da corda, o enforcado,

Se enterrou lá no sítio Gameleira,

Foi o padre quem fez essa besteira,

De deixar o coitado abandonado

Ele disse que no solo sagrado

Quem se mata não pode adormecer,

O que eu fiz foi somente obedecer,

Para mode não ser um castigado

Se o padre falou, tava falado,

Quem sou eu para lhe desmerecer?

XIII

-Estou vendo que tu tens a resposta,

Para tudo que lhe foi perguntado,

O senhor veio bem recomendado

Pois tem sorte é quem Maria gosta,

Mais ainda lhe faço uma aposta,

Antes de lhe deixar entrar no céu,

Me responda, porque fez escarcéu

Quando viu que ninguém foi lhe buscar?

-E tais doido, como eu ia ficar,

Arriscado a morar no fogaréu?