Minha Infância
De repente, na madrugada,
O barulho das gotas no telhado:
Ploc, ploc, ploc...
A chuva chega no sertão ressequido.
 
Zé Anacleto faz o alarido:
Levanta meninada,
Vamos plantar um roçado,
O terreno tá arado,
Vamos plantar milho e feijão, macaxeira, algodão,
Vamos plantar jerimum, melão,
Gergelim, melancia e quiabo!
 
Sai com a enxada nas costas,
Terezinha com a trouxa na cabeça,
A filha menor não gosta
Mamãe diz: deixa de ser besta,
Chegou tempo de fartura!
No mato em volta é só verdura.
 
Sai à família inteira:
O cachorro entra no mato,
Quer pegar uma lagartixa, que ligeira,
Chama a minha atenção.
Eu reparo a arrumação,
E na hora entro no mato.
 
Já são mais de meia légua,
Pra se chegar ao roçado,
Mamãe derruba o fardo
Pro cansaço dar uma trégua,
Eu fico brincando com a terra
Já fofa pelo arado.
 
Papai agarra a enxada
E já começa a cavoucar,
Tita fica chateada
Ela queria voltar,
Maria pega a bisaca,
E já começa a plantar.
 
Pense numa nega disposta,
Trabalha sem cara feia,
Já Neide, reclama das costas,
Mas a bisaca tá cheia,
Bota milho de punhado,
E ri do jeito que semeia.
 
É pra se acabar ligeiro,
Diz o nego Nilson, faceiro,
Arnaldo vê, diz a papai:
Tão estruindo semente,
Nasce feito uma trempe,
Nem os brotos crescem mais.
 
Ivo é o mais caprichoso,
Quer fazer muita fartura,
Planta feijão e milho e algodão,
Que se a safra for boa,
Dá pra juntar uma bufunfa
E comprar um caminhão.
 
E assim foi minha infância,
Firmada na esperança,
Que tem o agricultor,
Meu pai queria que me tornasse doutor (advogado),
Mas trilhei outros caminhos
Com a mesma esperança, me tornando professor.
 
Mas isso só foi um capítulo
Da minha vida inacabada,
Assim como a esperança,
De ver minha terra irrigada
Matando a fome da minha gente,
Pelo meu pai tanto amada.
 
Ivanildo Franco