Toda memória tem uma história

“A vida não é aquela que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.”

Gabriel Garcia Marques

Toda memória tem uma história

Conhecer nossa historia pessoal

Nos dá segurança sobre nossa identidade

Sobre nosso lugar no mundo

Posicionando com integridade

Talvez seja por esse motivo

Que as pessoas gostam de relatar,

Fatos da realidade.

Fatos de sua vida

Recordando acontecimentos

Personagens que significaram

Em sua existência algum momento

Hoje, relembrei-me de histórias.

De graça e de sofrimento.

Eu, Gilberto Lopes

Fui hoje convidado.

A relembrar as histórias

De memórias do passado

Procurei não pensar muito

Pra não ficar de olhos marejados.

Carrasco,

Foi o lugar em que nasci

Em 1950 viemos em zabelê

E nos instalamos por aqui

Hoje recordo coisas

Não só do que as pessoas contavam

Mais ainda das que eu vivi.

Com cerca de 10 anos de idade

Andava muito a cavalo

E todo dia para a água

Ajudava meu pai a levar o gado

Mais ainda sobrava tempo

Para brincar de chicotinho queimado.

De anel bem guardadinho

Eu também brincava

Mas andar a cavalo

Era o que eu mais gostava

Galopar em suas costas

Ah! Isso eu amava!

Os fatos de minha vida

Nunca foi tão fácil não

Uma vez eu me lembro

Que ia ter a 1ª comunhão

O professor “treinou” as crianças

Para ler com entonação.

No dia desse acontecimento;

As crianças deviam declamar

E belas poesias

Batalhei a memorizar

De cada palavra

Hoje, posso e gosto de relembrar

“Alto firme descansar

Sou pequeno e sei marchar

Sou valente e varonil

Hei de sempre defender

A Bandeira do Brasil”.

Fomos para a casa de Serafim

Que havia chegado o grande dia

Pois foi lá na Torrinha

Que celebrou minha 1ª Eucaristia

Marchamos o dia inteiro

Logo, todo o meu corpo doía .

Relembro do “Véi Zé lope”,

Como o povo o conhecia

Tinha um ponto de venda

Onde arranjou freguesia

Dali tirava o alimento dos filhos,

O pão nosso de cada dia.

O nosso café da manhã

Era um “pedacim”de carne assada

E no almoço feijão “mixido”

E a carne quando achava

Era essa a nossa alimentação

Pois não podia se fazer nada.

Mas naquele tempo, tinha

Também muita diversão

Comíamos muitos doces

E passeávamos na fogueira de são João

E arranchávamos no Campestre

Para apreciar a grande missão.

Em cima dos jegues

Levávamos palhas de licuri

Para armar os ranchos

Pois passávamos o período das festas ali

Era uma caminhada cansativa

Mas era uma maneira de se divertir.

Eram esses nossos divertimentos

Passear ,galopar...

Com jeitinho de moleque

Gostava de vadiar.

E ao passar do tempo, com meus 18 anos

Comecei a namorar.

Mas antes do meu namoro,

Aconteceu um fato marcante:

Na cidade de são Paulo

Um caso angustiante

Minha irmã Sinésia

Sofria agonizante.

E eu, nesta cidade

Ficava a trabalhar

Mas o que eu ganhava era pouco

Para os remédios comprar

E a história de minha irmã

Não tive como mudar .

A minha irmã adorada

Infelizmente faleceu,

Deixando saudades

Em todos os parentes seus

No entanto o tempo acalma

Um coração que sofreu.

Mas apesar do sofrimento

Existem coisas boas a dizer

Uma delas foi o meu namoro

Com uma moça daqui de zabelê.

Essa moça era Judith

Que a namorei com troca de olhares

Conversávamos muito pouco

Pois na época,a sociedade

Não aceitava

Tamanha liberdade.

O namoro daquela época,

Era bastante recatado.

O rapaz e a moça

Sentavam-se afastados

E assim, o namoro

Era por todos aprovados.

Uma família

Não é fácil de construir

Mas a linda Judith

Fez o meu coração sorrir

Então com essa moça

Eu fiz minha alegria garantir.

Então, no dia 28 de agosto de 1965,

Foi um dia de contentamento

Muitos convidados foram

Para apreciar aquele momento.

Depois do casamento, não me sentindo bem

Entrei em estado de depressão

Entristeço-me a cada minuto

Quando tenho essa recordação

Mas quem é vivo não está imune

A qualquer tipo de situação.

Com o passar dos anos

Apesar de todas as dificuldades

Nasceu Marlene nossa 1ª filha,

Criança cheia de beldades.

Construímos nossa casa,

Coberta ainda de palha

Devido à necessidade.

Em 1968, veio a 2ª filha

E a família foi crescendo,

E para sustentá-la

Ajuda íamos recebendo

Trabalhávamos na roça

Para ir pouco a pouco vivendo.

Além disso, fazia farinha

E na feira de Seabra retalhava

Meus pais, Sr. José Lopes e D. Idalina.

Também sempre nos ajudava

Sr. Raimundo e D. Maria meus sogros

A solidariedade sempre nos mostrava.

Quando minha filha Marilande

Era muito novinha,

Deixei Judith cuidando

Dos quatro filhos, sozinha.

Fui tentar a vida em São Paulo

Pois muita esperança eu tinha.

Porém essa esperança

Da vida melhorar

Foi apenas utopia

E tive que retornar

Devido à depressão

Que precisei de novo enfrentar.

Mas com o passar dos anos

Com sofrimentos e dificuldades,

Criamos nossos 11 filhos

Com muita honestidade

E por isso temos com eles

Uma grande amizade.

A vida começou a melhorar

A partir do trabalho no sisal

E a compra do engenho em 1982,

Que foi uma idéia especial

A compra do terreno no esquadro

Que também não foi nada mal.

Também, os filhos mais velhos

Dos pequenos já cuidava

Outros iam para roça

Pegava a enxada e capinava

Enfim,

Toda a família trabalhava

Mas minha vida parece

Que foi uma seqüência de sacrifício

Dela vou relatar mais um episódio

Que parece um precipício

Em 15 de maio de 1986

Foi um dia muito difícil.

Estrepei o pé

Ó, que sofrimento!

Precisei logo iniciar

Um longo tratamento

E estava longe de alcançar

Uma vida de contentamento.

Foram 15 anos,

De agonia e muita dor

Fiz tratamento em Seabra

E também em Salvador

De novo veio a depressão

Mas enfim, fui lutador.

No ano de 2002,

Depois de muito me avisar

Meu genro marcos

Em Ponte Nova foi me levar

Lá foi feita uma cirurgia

E o tratamento começou a andar.

Continuei com meus cuidados,

Depois dessa cirurgia.

A preocupação era menos

Pois eu melhorava a cada dia.

Hoje estou bem graças a Deus

E também a Mãe Maria.

E hoje depois,

De tanta recordação

Percebo que minha história é triste

Pois o sofrimento não foi pouco não.

A minha família e a todos

Agradeço de coração!

Saudades?

Só mesmo do tempo de criança

Não preocupava com nada

Dela, tenho boas lembranças.

Apesar de tantos obstáculos

Hoje posso dizer:

-Eu sou feliz!

Tenho todos os motivos para ser

Com minha esposa ao meu lado

Sendo a alegria do meu viver.

Agora, digam-me.

Se não tenho razão?

Todos os meus filhos

Criados já estão

Todos casados e com estudo

E com muita união

Porque não estar feliz?

Se me deram até netos de montão.

A minha esposa Judith

E a nossa aposentadoria

Que nos dá uma vida

De melhor garantia.

Uma família unida

E amigos com simpatia

Tudo isso eu consegui,

E por isso hoje eu sou feliz.

Moro ainda aqui na Zabelê,

Nesta comunidade mais que amada.

Relembro as memórias

Enquanto o tempo não apaga.

Conto meus 66 anos

Junto de minha família adorada.

As dificuldades

Procuramos resolvê-las.

As memórias

Decidimos revivê-las.

E a vida?

A vida, vamos vivê-la!

Texto escrito por Cleudete Souza Lopes,

Professora de Língua Portuguesa, escrito com base no depoimento do pai Gilberto Francisco Lopes, narrador – personagem dessa história.Julho de 2008.

keulopes
Enviado por keulopes em 11/06/2012
Código do texto: T3718457
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