FAROESTE SOTERO
Jorge Linhaça

Zé Carrapicho se criou no Areal
comendo manga com sal do jeito que Deus deixou
Ia pro lasca quase todo fim de tarde
pois que tinha a vontade de ser grande jogador

Largou a escola pra ficar cheirando cola
ou então pedir esmola nas ruas de Salvador

Zé Carrapicho se sentia incomodado
Quando não davam um trocado pro seu vício sustentar
Lembrava logo da estátua do poeta com a mão estendida , aberta
e de costas para o mar.

Zé Carrapicho foi ficando bem retado
vendo turista arrumado com dinheiro pra gastar
Ele olhava pro seu chinelo rasgado
e depois de bem pensado, disse: eu tenho é de roubar

Zé Carrapicho rodou a cidade baixa e juntou dinheiro em caixa
pra comprar um tres oitão.
Já traficava e não mais se importava quando alguém além gritava :
pega esse que é ladrão!

Rodou na esquina um dia que foi pra pista
assaltar um tal artista cujo nome esqueceu
Caiu no piau , apanhou de mão e pau
se sentiu passando mal e a vista escureceu

E todo o dia ele tomava um baculejo
e lembrava aquele beijo que a mãe nunca lhe deu
Dentro do peito só crescia a vontade
de fazer muita maldade :"Antes eles do que eu"
 
Ia pra pista e então metia o ferro, não havia choro ou berro
que o fizesse esmorecer
Zé Carrapicho acabou virando bicho
pra não se sentir um lixo e ter medo de morrer

Mas esta vida sempre dá as suas voltas
e no meio da revolta uma coisa aconteceu
Zé Carrapicho conheceu uma menina
entre todas a mais linda que o seu coração prendeu

Zé foi mudando, se viu até trabalhando
sua alma se acalmando sem vontade de roubar
Mas nessa hora que já ia se acertando
teve que enfrentar "os mano" que ocuparam seu lugar

Zé Carrapicho foi buscar o três oitão
era a hora da ação e o seu corpo estremeceu
A sua vida lhe passou que nem novela
e no meio da favela o duelo aconteceu

Lá na Mangueira já os outros esperavam
 a tocaia lhe armavam : Os cabeça  e os  Alemão
Zé Carrapicho encontrava seu destino
dos seus tempos de menino correndo de pé no chão

No fim da tarde a viela estava escura
Zé sentiu uma gastura de gelar o coração
Quatro pipocos  já rasgaram o silêncio
enquanto o Inocêncio estrebuchava ali no chão

Zé Carrapicho com a perna ja ferida
encontrou uma guarida na mureta de um bar
E os pipocos que vinham não eram poucos
estouravam feito loucos e se ouviam lá no mar

Zé Carrapicho ainda derrubou mais três
mas chegou a sua vez de prestar contas pra Deus
E as manchetes do Correio e da Tarde
fizeram maior alarde quando isso aconteceu

E foi assim que morreu Zé Carrapicho
um menino bicho, que à adulto não chegou
E o velho oeste , faroeste, bang bang
segue derramando sangue nas ruas de Salvador.

Salvador, 1 de Junho de 2012