O homem que aceitou o convite do cramulhão
Seu dotô vou lhe contar
Uma estória bem medonha,
Foi um caso que ocorreu
Lá pros lados de Vigonha,
Onde vivia um indivíduo
Mulherengo e sem vergonha!
O mulesto era metido
A exímio namorador,
Conquistava quem encontrasse
Morena, mulata e fulô,
Desde a mais tenra idade
Era bom não se expor!
Esganildo era o nome
Desse sujeito do cão,
Vivia aprontando coisas
Depois dizia que não,
Que não fazia maldade
Pois era um pobre cristão!
Os senhores da cidade
Não poupavam no conselho:
Esganildo vá- se embora
Vá procurar outro meio,
Se você não se ajeitar
O acocho vai ser feio!
E assim vivia o dito
Vadiando sem parar,
Trabalhar que era bom
Só se fosse pra infartar,
Mas onde tivesse farra
Era lá que ia estar!
Mulher e bebida farta
Era a sua perdição,
Fungava numa cabocla
Em outra passava a mão,
Quando escorregava um pouco
Aí levava um tapão!
Na arte de cortejar
Ele era um campeão,
Casamento prometia
Pra ganhar o coração,
Mas depois da causa ganha
Sumia feito uma visão!
Esganildo, meu filho,
Tome vergonha na cara,
Se não numa hora dessas
Você cai numa coivara,
E o seu lombo vai arder
Quando lamber a taquara!
Dos conselhos que ouvia
O tal não fazia caso,
Dizia que era jovem
Tinha que fazer arraso,
E que só velho bem passado
Vivia saudoso e raso!
Esganildo, não se engane,
Dizia Zé Serafim,
Você pode ser muderno
Mas não se compara a mim,
Quando eu tinha a sua idade
Não mexia em estopim!
Sua fama de coitero
Uma hora vai acabar,
Mais dia ou menos dia
A madeira vai deitá,
É melhor abrir os olhos
Senão o bicho vai pegar!
Mesmo com tantos avisos
Ele nunca levou fé,
O seu caso era perdido
Só festa, cachaça e mulher,
Vou contar o resultado
Me acredite se quiser!
Certo dia recebeu
Um convite bem bondoso,
Ia ter um fuzuê
Na fazenda de meloso,
Mais tudo isso era treita
Do danado do tinhoso!
O convite veio escrito
Com uma tinta boreal,
Com muita honra e lisonja
Etc. e coisa e tal,
E o trouxa do Esganildo
Se sentiu especial!
Assim dizia o escrito:
Estimado cavalheiro,
Convido vossa senhoria
Com alma de aventureiro,
Pra esta noite festejar
Com um amigo verdadeiro!
Sei que você aprecia
As boas coisas da vida,
E aqui não vai faltar
Mulher bonita e bebida,
E eu sei o que é bom
Você acredita ou duvida?
Seu dotô vou lhe dizer
Um dito bem verdadeiro,
Quando a esmola é muito grande
O pobre fica ligeiro,
Pois se ele vacilar
O cacete é certeiro!
Esganildo lá chegou
Todo boçal e glutão,
Foi muito bem recebido
Pelo seu anfitrião,
Mulher tinha a dar com pau
Empestiando o salão!
Botou os olhos em uma
Morena se requebrando,
Devagarinho foi dela
Logo se aproximando,
Sem a moça perceber
Foi logo lhe acochando!
Não houve reclamação
A moça até que gostou,
E Esganildo galante
Logo, logo se assanhou,
E foi deitando um amasso
Que a coitadinha piou!
E a festança comia solta
Na cominheira do salão,
Era nego apertando nego
Mulher bulindo em peão,
Esganildo xanfrava uma
Em outra relava a mão!
Tudo corria bem
Até aquele momento,
Era cachaça rolando
Na guela até de jumento,
Mas quando deu meia-noite
Aí começou o tormento!
De repente o oitão
Ficou escuro feito breu,
E Esganildo alarmado
Quis saber o que ocorreu,
Pois não se via mais nada
A um palmo d'um olho seu!
Seu dotô foi bem aí
Que a coisa ficou feia,
Pois depois que clareou
A verdade veio cheia,
E Esganildo abobalhado
Foi logo levando peia!
Que o senhor me acredite
No que eu vou lhe relatar,
Só mesmo eu lhe contando
Pro senhor acreditar
porque não falo mentira
te digo e posso provar!
Tem gente que não acredita
Em coisas do outro mundo,
Outros não levam a sério
Um sentimento profundo,
Mas sábio mesmo é aquele
Que pensa por um segundo!
Há coisas entre céu e terra
Que não se pode duvidar,
Outras são tão estranhas
Que é impossivel decifrar,
Se o senhor nunca ouviu
Escute o que eu vou falar!
Retorno de onde parei
Com a minha explanação,
Eu dizia que Esganildo
Tava levando um pisão,
Pois os presentes na festa
Tinham era parte com o cão!
Aquela morena que ele
Acochara no salão,
Tinha virado uma bruxa
Daquelas de assombração,
E as unhas da danada
Parecia um navalhão!
Correu dentro de Esganildo
Querendo lhe esbugalhar,
Ele pulava prum lado
Só querendo se livrar,
Mas a unha da maldita
Rasgou-lhe o pançuá!
O cabra desesperado
Com a sangria escorrendo,
Dizia valha-me Deus
Que agora eu tô morrendo,
Não me leve agora não
Porque muito eu tô devendo!
Naquele sufoco todo
Socorro não achava nada,
Livrou-se da mão da bruxa
Caiu nos braços de uma fada,
Quando pensava que não
A bicha era uma disgramada!
Na mesma hora a maldosa
Bacunhou-lhe pelo arrelho,
Grugunjou-lhe o gurguminho
Escangalhou-lhe o buguelho,
E Esganildo afogueado
Ficou roxo e vermelho!
Seu dotô que situação
Passou essa pobre alma,
Se livrava de uma acolá
Em outra se emaranhava,
Quanto mais se debatia
Mais depressa se lascava!
Esganildo estropiado
Não sabia o que fazer,
Chamava tudo que é santo
Para vir lhe socorrer,
São fulano, são cicrano
Onde é que está você?
E o aperto continuava
Ali dentro do salão,
Levava tapa na cara
Pontapé e empurrão,
Quando menos esperava
Caía no beliscão!
Seu dotô a presepada
Durou foi a noite inteira,
E Esganildo arrependido
Só pensava nas besteiras,
Que aprontou durante a vida
Com mulher e bebedeira
Já com o dia clareando
É que a coisa se aquietou,
E Esganildo se lembrava
Como tudo terminou,
Só depois de invocado
O bom nome do Senhor!
Quando viu que a desgrameira
Parecia não acabar,
E que o couro lhe ardia
Que nem pimenta com abará,
Esganildo num estalo
Ajoelhou e foi rezar!
Disse: Deus, o senhor me escute
no que agora eu vou pedir,
já chamei por alguns santos
e não vieram me acudir,
se o senhor me tirar dessa
eu prometo lhe servir!
Seu dotô na mesma hora
O furdunço se acalmou,
E as feias criaturas
Igual fumaça evaporou,
E Esganildo foi-se embora
E nem pra trás ele olhou!
Essa estória se passou
Do jeito que eu relatei,
Do caso fui testemunha
E nem um til acrescentei,
Pois não gosto de mentira
Como acima eu já falei!
Todo vivente na terra
Vive do jeito que quer,
Muitos se apegam à vida
Outros em farra e mulher,
Mas o futuro dos tais
Você já sabe qual é!
Depois do nó arrochado
Esganildo endireitou,
Virou um rapaz direito
Honesto e trabalhador,
Cumpridor dos seus deveres
Amável e respeitador!
É como diz o ditado
Que eu ouvi em algum lugar,
Só mesmo pau na moleira
Pro sujeito se aprumar,
Pois não é que Esganildo
Resolveu até casar!
E a promessa que ele fez
A Deus na hora do aperto,
Parece que está cumprindo
Lhe dizer não sei direito,
Mas se ele se esquecer
O tinhoso dá um jeito!
E por isso, seu dotô
Se algum dia receber,
Um convite bem postado
Como nunca veio ver,
Se lembre dessa estória
Para não se arrepender!
Pois o astuto tinhoso
Não dorme nem um segundo,
Vive enganando as almas
Que andam a toa no mundo,
E se um besta lhe der trela
O sopapo é profundo!
Nas veredas de hoje em dia
O homem que fique atento,
pois descaramento e mulher
Vem na cara como o vento,
Mas depois que a ficha cai
Aí que vem o lamento!
Assim termino essa estória
não querendo ser o autor,
de um caso mal inventado
sem pé, sem cabeça e andor,
e se tomei muito o seu tempo
me perdoe por favor!
Edson