Martírio dos Nordestinos na Capital Bandeirante
Obs. Este cordel ficou em 4º lugar
num concurso promovido pelo
Centro de Tradições Nordestinas,
sediado no Estado de São Paulo.
Autor: Marciano Medeiros
A paisagem do Nordeste,
É muito resplandecente,
Nos cardeiros do sertão,
Há nostalgia inclemente
E a seca com suas garras,
Vem massacrar nossa gente.
Neste mundo diferente,
Tem muita sabedoria,
Nosso bravo agricultor
Batalha com euforia,
Querendo sobreviver
Não gosta de fantasia.
Pega na cacimba fria,
Água para cozinhar,
Madruga com as estrelas
Saindo pra pastorar,
As lágrimas vindas da terra,
Num ritual singular.
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Por gostar de trabalhar,
O matuto vai sofrendo,
Querendo ter um recurso
Pra não ficar se batendo,
Nas terras dos fazendeiros,
Que conviveu padecendo.
Pouca água vem trazendo,
Passa por filho na rede,
Quando o garoto chorando,
Diz: – Papai eu tenho sede!
Ao beber formula prece,
Vendo um quadro na parede.
Quando mata sua sede,
Bate enxada como um sino,
Mas a missa é no roçado
Onde cumpre seu destino,
Trabalhando com ardor
Desde o tempo de menino.
Vai seguindo o peregrino,
Chega o tempo de estudar,
O pai diz: – Se em três meses
Você não desenrolar,
Eu lhe tiro da escola
Botando pra trabalhar.
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De modo bem singular
Ninguém consegue aprender,
O garoto vai crescendo
Deseja sobreviver,
Então foge pra São Paulo
Querendo um emprego ter.
Segue pra feira vender
Um pequenino carneiro,
Podendo dessa maneira
Conseguir juntar dinheiro,
Pra se aventurar num ônibus
Querendo novo roteiro.
O pai por ser verdadeiro
Não consegue lhe encarar,
Na hora da despedida
A mãe começa a chorar,
Já sua pequena irmã,
Vai pro quarto lamentar.
Ligeiro pode abraçar,
A mãe já envelhecida,
Que abençoa com saudade
De maneira dolorida,
Pedindo ao filho que tenha
Cuidado na sua vida.
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Nesta hora entristecida
Passa porteira cinzenta,
Não pode olhar para trás,
O coração não aguenta,
Paulo segue comovido
Na estrada poeirenta.
Vai seguindo em marcha lenta,
Vendo o Nordeste querido,
A terra mudando as cores,
Devassa o sertão sofrido,
Até chegar a São Paulo
Ninguém escuta um gemido.
Num mundo desconhecido
Vai na favela morar,
Passa mais de vinte dias
Para um emprego encontrar,
Sem saber que muita gente
Gosta de lhe massacrar.
Precisa se acostumar
Com a garoa paulista,
Conhece um homem de bem,
Se encontra com vigarista,
Tenta mudar o sotaque
Pensando ser modernista.
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Com pensamento elitista
Quer deletar o passado,
Ao entrar num grande prédio
Pelo porteiro é barrado,
Alguém diz: – O “Paraíba”,
Não foi identificado!
Regressa desconfiado
Pelo orgulho do porteiro,
Que também é nordestino
Nascido no Juazeiro,
Não tem dó, nem piedade,
Do colega e companheiro.
Se sente no estrangeiro,
Não toma leite com nata,
Relembra da juventude
Duma grande serenata
E mesmo estando empregado,
Muita gente lhe maltrata.
Na sua função ingrata,
Também sente preconceito,
Nas primeiras construções
Não faz trabalho perfeito,
Até que vira pedreiro
Para construir direito.
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Bem cedo acorda do leito
Vai pegar três coletivos,
Na capital bandeirante
Há milhares de cativos,
Que vivem silenciosos,
Parecendo mortos vivos.
Nunca encontra lenitivos,
Sente o peso do racismo,
Dosado com a má vontade
E o veneno do cinismo,
Mas tenta se adaptar
Pra viver com realismo.
No mundo do banditismo,
Ver faces dos assaltantes,
Que comandam nas favelas
Quadrilhas horripilantes,
Fazendo marcantes roubos
Numa fração de instantes.
Também descobre os farsantes,
Embusteiros diplomados,
Vendendo de modo avulso
Produtos pirateados,
Guardando as mercadorias
Quando percebem soldados.
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Os militares armados
Patrulham com insistência,
Tentam de todas as formas
Combater a delinquência,
Às vezes muitos se excedem
Agindo com truculência.
No mundo da violência
Já se sentem preparados,
Mas só andam nos transportes
Com fardamentos guardados,
Porque se não por bandidos,
Podem ser assassinados.
Diversos tiros são dados
Com rigorosa frequência,
Nunca conseguem botar
Um freio na delinquência,
Pois os bandidos também,
Agem com toda inclemência
Tá faltando consciência
Na capital bandeirante,
Essa cidade tão bela
Parece selva gigante,
Por isso que a violência
Cresce de forma alarmante.
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O pobre do retirante
Demorou se acostumar
E nesse ritmo de vida
Foi tentando se infiltrar,
Até a sua linguagem
O cabra quis renovar.
Começou logo a chiar
Sem ter autenticidade,
Esqueceu vocabulário
Da sua localidade,
Ficou se achando paulista
Coberto de vaidade.
Falou da comunidade,
Onde deixou a morada,
Da escolinha do campo,
Da primeira namorada,
Bradando que sua terra
Não presta mais para nada.
De maneira reservada
Resolveu férias tirar,
Pra visitar os parentes
Voltou pro antigo lar,
Usando diversas gírias
Debochou do seu lugar.
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Começou a reclamar
De tudo que pôde ver,
Dizendo pra seus irmãos:
– Vocês precisam aprender,
As coisas da capital,
O que vi vou lhes dizer.
É difícil conhecer,
Até quem vem do seu lado,
Ninguém sabe se é mulher,
Ou homem desmunhecado,
Já vi mulheres solteiras
E dois rapazes “casados”.
Os shoppings sempre lotados,
Parecem com formigueiros,
São milhares de pessoas
Como se fossem romeiros,
A cada palmo encontramos
Dezenas de estrangeiros.
Lá nunca encontrei vaqueiros,
Nem fogueiras de São João,
Porém o bairro onde eu moro
Tem bastante confusão,
Em cada esquina se topa
Com moderno Lampião.
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Mas aqui no meu sertão
Não consegui prosperar,
O prefeito dessa terra
Necessita trabalhar,
Pra que todos possam ter
Condições de melhorar.
Ninguém podia falar,
Só Paulo contou vantagem,
Exagerou no salário
Pra melhorar sua imagem,
Alugou bonito carro
Para fazer pabulagem.
Ao terminar a viagem
Despediu-se novamente,
Dessa vez não houve choro,
Mostrou semblante contente,
Comprando passagem aérea
Quis voltar ligeiramente.
Pensando ser influente,
Regressou pra capital,
Mas logo mudou de emprego
Foi ser porteiro geral,
Num prédio de gente rica
Teve o trabalho afinal.
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Viu homem passando mal,
Porém não quis ajudar,
Percebeu ser conterrâneo
Pelo modo de falar,
Mas não deixou o colega
Sequer o banheiro usar.
Sua TV foi ligar,
Estando muito calado,
Então escutou notícia,
Ficando escandalizado,
Falaram que nordestino
Devia ser afogado.
Um comentário postado
Num Twitter de menina,
Causou todo aquele impacto,
Sua mensagem assassina,
Como se fosse um veneno,
Aquela frase ferina.
Sua honra nordestina,
Ficou bastante abalada,
Quase chorando ele disse:
– Ou garota exagerada,
Nunca pensei de ouvir
Paulista tão exaltada!
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Não dormiu de madrugada,
Somente no outro dia,
Nos telejornais da noite
A frase repercutia,
Muita gente rebateu
O que a garota dizia.
“É muita patifaria,”
Paulo pensou descontente,
“Essa moça deve achar
Um juiz que lhe enfrente,
Pois prega pena de morte
De maneira inconsequente.”
“Lutamos por essa gente
De maneira extravagante,
Botamos nosso suor
Na capital bandeirante,
Essa moça abertamente
Prega maldade gritante.”
Mas soube naquele instante
Que a moça foi demitida,
Pois seu patrão rejeitava
Aquela tese homicida,
A jovem passou até,
A se sentir perseguida.
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Meses depois foi punida,
Abandonando o cinismo,
Após umas três semanas,
Regressou pro ostracismo
E o povo do Nordeste,
Não lhe ofertou revanchismo.
Paulo com cavalheirismo
Fez grande reflexão,
Relembrou da gentileza
Existente no sertão,
Mas pensou no seu Brasil
Como gigante nação.
Retirou do coração,
Qualquer resto de amargura,
Pensando no seu trabalho
Pra buscar paz e ternura,
Disse não para o revide
Com fraternidade pura.
A lição foi muito dura,
Mas ele aprendeu feliz,
A respeitar seus colegas
Pra não ficar infeliz,
Tornou-se um homem fraterno
No Sudeste do País.
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Humilhação Jamais quis,
Contra o povo nordestino,
Que só precisa de chance
Para mudar o destino,
Quem acredita em racista,
Só comete desatino.
Só quem já foi peregrino,
Consegue compreender,
Que precisamos de amor
Para poder conviver,
Com culturas diferentes
Sem precisar ofender.
O Brasil só faz crescer,
Acabem com o racismo,
O Nordeste tem valor
Vivamos com realismo,
Somos todos conterrâneos,
Andemos sem pedantismo.
Paulo deixou elitismo,
Misturou-se a populares,
Somente por ter ouvido
Coisas tão impopulares,
De quem faz humilhação
Com pensamentos vulgares.
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Só frequentou os lugares,
Onde achava os companheiros,
Assistiu show dos Nonatos,
Românticos cancioneiros,
Que começaram trajeto
No mundo dos violeiros.
Pensou nos tempos primeiros,
Dos festejos populares,
Onde andava sempre a pé
Nos mais distantes lugares,
Tomando suas bebidas
Com amigos singulares.
Lembrou dos pequenos bares,
Sentindo paz e alegria,
Desejando ver amigos
Felizes com melhoria,
Marchando para o sucesso,
A cada hora do dia.
Um homem sem fantasia,
Já desistiu de lutar,
Paulo conseguiu espaço
Para poder se expressar,
Num programa de TV
Quis desse modo falar:
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– O Sudeste é singular,
Se faz amigos também,
Cidadãos muito educados
E mensageiros do bem,
Que não gostam de fazer
Desfeitas para ninguém.
Tenhamos conduta zen,
Sem guerras interiores,
Vivamos pra cultivar
Nobilitantes valores,
Buscando fraternidade
Com gestos renovadores.
Maldosos agitadores,
Só produzem confusão,
O planeta está pequeno
Pela globalização,
Vejamos num forasteiro
Um necessitado irmão.
Terminou a falação,
O sofredor peregrino,
O povo todo escutou,
A voz desse nordestino,
Que relembrou a bondade,
Sem praticar desatino.
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Telefone: 0**84-9991-7476