O touro, o violeiro e a assombração
Nos lados dos tabuleiros,
Do Agreste, não te conto!
Nas terras das laranjeiras,
Das mangueiras e dos encontros,
Vivia um violeiro,
Cantador sem perder ponto!
O cabra era bom de dedo,
Bom de guela e nostalgia,
Era compositor desde cedo,
Cantador de noite e dia,
E pelos campos se falava:
Sujeito bom igual àquele,
Nunca se viu na Bahia!
Vinha gente de bem longe,
Pra ver a desembestação,
Muitos vinham até de bonde,
De jumento e de alazão,
Vinha moço lá do Conde,
Só pra ver a atuação!
Vinha nego lá do Norte,
Vinha branco lá do sul,
Vinha cabra de bom porte,
E mulato de Aracaju,
Vinha viúva faceira,
E até caboclo zulu!
E desse tal violeiro,
Falavam-se as estripulias,
Era sujeito ligeiro,
Astuto e de valentia,
Que com uma viola na mão,
Fazia até ventania!
Certo dia foi chamado,
Para um fazendeiro acudir,
Pois se achava acossado,
Por um tal touro jamir,
Tocou logo uma toada,
Fazendo o bicho dormir!
O fazendeiro agradecido,
Lhe disse pode pedir,
Tudo o que lhe convier
Estou disposto a repartir,
Leve o que você quiser,
E o que não quiser deixe aqui!
O violeiro surpreso,
Com tal bondade e atenção,
Disse: não quero ser atrevido,
Nem metido a espertalhão,
Mas se for do vosso agrado,
Eu levo esse touro brigão!
O fazendeiro estranhou,
Aquele modesto pedido,
Coçou logo a cabeça,
E falou esbaforido:
Já que quer pode levar,
Esse medonho fedido!
E lá se foi o violeiro,
Com sua viola na mão,
E o touro feito um cordeiro,
Corria atrás do patrão,
E toda aquela brabeza,
Sumiu dentro do chão!
Depois desse feito grande,
João das cordas ficou falado,
E eu me esqueci de dizer,
Que este era o postulado,
Do nome desse vivente,
Violeiro extraordinário!
Era chamado em vaquejadas,
Festas, feiras e mercados,
Em funerais e touradas,
Tocando em todos os lados,
Cantigas, incelenças e cantorias,
Pediam e eram tocados!
A fama corria longe,
De João das cordas e seu touro,
De sua viola se dizia,
Que era banhada em ouro,
E as cordas de prata luzia,
Arrepiando o cabelouro!
Desse violeiro excelente,
Muita gente ouvia falar,
Que com sua viola potente,
Fazia mudo cantar,
Deixava onça sem dente,
E jagunço a choramingar!
De violeiro e cantador,
João das cordas passou a ser,
Encantador de serpente,
Admoestador do bom viver,
Caçador de assombração,
E o que mais aparecer!
Conta-se que certa feita,
Foi chamado pra espantar,
Um assombro pertinente,
Lá pros lados de Irará,
Montou no seu touro urgente,
E foi logo averiguar!
Chegando ao tal lugar,
O destemido violeiro,
Foi apeando do touro,
Tocando já foi ligeiro,
Chamando pelo agouro, disse:
Se mande desse terreiro!
Tocou uma incelença,
Daquelas das bem tristonhas,
Que ainda quando menino,
Ouviu do cego Noronha,
Nessa hora a assombração,
Deu uma carreira medonha!
E era assim o violeiro,
Cabra valente e sem medo,
João das cordas Ribeiro,
Caboclo ligeiro de dedo,
Andava pelo Sertão,
Dormindo e acordando cedo!
Quem é nascido no Norte,
Conhece as terras de lá,
Não há cristão que lá se aporte,
Para não se apaixonar!
Terra bonita e praieira,
Que faz o sulista babar!
Começo a lhe revelar,
As belezas do Sertão,
Do velho Chico até o mar,
A Bahia é o coração,
Aonde tudo começou,
Nesse pedaço de chão!
Escute o que vou dizer,
De todas as belezas de lá
Tem uma sem comparação:
O povo de acolá
Sincero e de bom coração,
Que vive sem reclamar!
Nordeste de bons poetas,
De artistas e de Marias,
De cantadores de praças,
De patacoadas e alegrias,
De comilanças festivas,
De sonhos e fantasias!
Foi neste cenário glorioso,
Que viveu o nosso herói,
Homem valente e honroso,
Ajudador de quem constrói,
Mas inimigo ferrenho,
Da criatura que destrói!
Para encerrar essa estória,
Vou contar com grande estima,
Uma façanha discreta,
Desse violeiro esgrima,
Que topava qualquer parada,
Tocando e fazendo rima!
Dizem que certo dia,
Deparou-se com uma onça,
Daquelas pintada e brava,
Sem alimento na pança,
Parou rosnando pro moço,
Querendo ter comilança!
Desse feito eu conto pouco,
Sem detalhe e bem ligeiro,
Que é pro leitor amigo,
Não ficar de lisonjeiro,
Eu só sei que a tal onça,
Foi parar no tapeceiro!
Se você acha absurdo,
Os feitos desse tropeiro,
É que ainda não conhece,
Os cabras daquele meio;
Nordestino, nasce artista,
Menos; frouxo, mentiroso e feio!
Assim encerro esse caso,
Não querendo me gabar,
Se quiser cabra retado,
Na Bahia vai encontrar,
Se você tá duvidando,
É só vir me procurar!
Edson