A briga entre o valentão e o humilde
I
Já faz quase quinze anos
Mas não consigo esquecer
Da briga em que me envolvi
Querendo me defender
De um sujeito ignorante
Atrevido e arrogante
Que queria me bater
II
Em toda a região
Ele era afamado
Tinha fama de valente
E por todos odiado
Já bateu em muita gente
Culpado ou inocente
Bateu até em soldado
III
Eu chegara à cidade
Pra visitar um amigo
E nunca imaginara
Que corria algum perigo
Por isso fiquei sem jeito
Quando o dia o sujeito
Veio se meter comigo
IV
Numa festa na cidade
Dançava eu animado
Com uma linda garota
A quem fui apresentado
Quando veio o ”coisa ruim”
Dizendo que para mim
A festa tinha acabado
V
Tomado assim de surpresa
Meu sangue gelou na hora
O cara era um gigante
Cada braço era uma tora
Disse que em seu terreiro
Não entrava forasteiro
E que eu caísse fora
VI
Eu disse você se engana
Pois acabei de chegar
E não vou sair agora
Pois vim aqui pra dançar
Se estou em seu terreiro
Seja mais hospitaleiro
Com vem lhe visitar
VII
Como eu não conhecia
A fama do mafioso
Pequei pela inocência
Ao dar uma de gostoso
E pela minha ousadia
Falando o que não devia
Ele foi impiedoso
VIII
Ele estava acostumado
A ser sempre obedecido
Disse que para um fracote
Eu era muito atrevido
Meteu a mão no meu peito
Escorreguei de mau jeito
Cai no chão estendido
IX
Quando eu me levantei
E tentei argumentar
Ele foi me empurrando
E mandando eu me calar
Me arrastou pelo salão
Diante da multidão
Ninguém ousou protestar
X
Botou-me de porta afora
Como quem tange um cão
Eu sou um cara pacato
Mas não levo humilhação
Disposto a me vingar
Preparei-me pra brigar
E voltei para o salão
XI
Quando eu voltei pra festa
Todo mundo se calou
Ficou o maior silêncio
Até a música parou
Eu não vi onde ele estava
E enquanto procurava
O safado me atacou
XII
Ele me deu um bofete
Mesmo no pé do ouvido
Que eu passei mais de um mês
Com o pescoço doído
A orelha latejando
E hoje de vez em quando
Ainda escuto um zumbido
XIII
Enquanto me recompunha
Ali no chão estendido
O cara ficou pensando
Que já tinha me vencido
Mas errou suas apostas
E quando me deu as costas
Ele foi surpreendido
XIV
Eu dei-lhe um chute no joelho
Que ele ficou empenado
Quando quis se aprumar
Eu chutei do outro lado
O cara pôs-se a urrar
Sem poder se levantar
Ficou no chão ajoelhado
XV
Aproveitando a vantagem
Que eu tinha conseguido
Eu devolvi o bofete
Que ele me deu no ouvido
Fiquei com a mão dormente
Mas agora o delinquente
Era que estava aturdido
XVI
- Agora estamos quites
Eu disse muito loquaz
Proponho esquecer a rixa
E celebrarmos a paz
E assim sem vencedor
E também sem perdedor
A gente não briga mais
XVII
Ele gritou revoltado
- Viver em paz uma ova
Eu estava pretendendo
Dar-lhe somente uma sova
Já que você revidou
Você agora acabou
De cavar a sua cova
XVIII
Mal acabou de falar
Uniu palavra à ação
E já foi se levantando
Com uma faca na mão
O golpe que desferiu
O meu bucho não abriu
Pois pegou no cinturão
XIX
No meio da correria
Tentando me proteger
Eu procurava uma arma
Para assim me defender
Eu tinha que ser esperto
Porque senão era certo
Que ali ia morrer
XX
Tinha um cabo de vassoura
Atrás do balcão do bar
Escondi atrás das costas
E esperei ele chegar
E sem nenhum embaraço
Acertei mesmo no braço
Que a faca saltou no ar
XXI
Sem dar tempo ao desgraçado
Com a força da molesta
Eu desferi outro golpe
Mesmo no meio da testa
Seus olhos se arregalaram
As suas pernas dobraram
Pra ele acabou a festa
XXII
Com medo de represália
Evadi-me da cidade
A notícia se espalhou
Ganhei notoriedade
Por ter vencido o valente
Que humilhou tanta gente
Virei heroi na cidade
XXIII
Não suportando a derrota
E se sentindo humilhado
O cabra se escafedeu
Nunca mais foi encontrado
E por reconhecimento
Com um busto de cimento
Eu fui homenageado
XXIV
Aqui fica o meu conselho
Para os brabos de plantão
Não subestimem os mansos
Pode ser sua perdição
Entendam essa verdade
Uma coisa é humildade
Outra coisa é humilhação