A FLAUTA E O SABIÁ ( texto baseado no conto de Coelho Neto , de mesmo título)

Num estojo de veludo

Sobre uma mesa de verniz,

Repousava uma flauta

Tranquila e muito feliz.

E morando na gaiola

Bem acima dessa mesa,

Um sabiá muito belo

Cantador por natureza.

A tarde linda de sol

Ele, pensando na mata,

Encheu-se de alegria

E modulou uma volata.

A flauta em gargalhadas

Começou a desdenhar:

Como é que se atrevia,

Aquele pobre, a cantar?

— De que ris — Indaga o pássaro

Por que estás contente assim?

— Ora, pois, como te atreves

A guinchar perto de mim?

O pequeno passarinho

Ainda não conhecia,

O arrogante instrumento

Que deboches lhe fazia.

Então ele perguntou:

— Quem és tu, ó bela imagem?

E a flauta respondeu:

— Bem se vê que és um selvagem.

Eu sou a famosa flauta

Inventada por Marsias,

Nos palácios sou saudada

Com todas as regalias.

Meu inventor era forte

Com o deus Apolo lutou,

Vencedor foi consagrado

Por isso o deus o matou.

Além de ser um selvagem

És também ignorante,

Lê os clássicos, camarada,

Aprenderás num instante!

O sabiá todo encolhido

Nem sabia o que falar,

Mesmo assim criou coragem

Resolveu se apresentar:

— Sou um mísero sabiá

E por Deus eu fui gerado,

Antes dessas invenções.

Deixemos isso de lado.

A flauta, com petulância,

Começou a perguntar:

— Que fazes, por caridade,

Pensas que isto é cantar?

— Canto sim, todos os dias

Faço disso o meu ofício,

Mas cantar me rende pouco

É um grande sacrifício.

Eu deixarei de cantar

E me calarei por fim,

Se em teu canto descobrir

Que és superior a mim.

Canta! Eu te escutarei

E se eu apreciar,

Prometo, jamais irei

Uma volata ensaiar.

— Desprezível sabiá

Grande é tua pretensão,

Desconheces por inteiro

A minha nobre missão.

Eu canto para alegrar

Os reis em bonitas festas,

Em noites de lua cheia

Sou o guia das serestas.

A minha voz acompanha

Hinos sagrados na igreja,

Também alegro as damas

Qualquer pessoa que seja.

O meu canto harmonioso,

Inspiração das mais puras,

É regalia dos deuses

E das demais criaturas.

— Aqui estou para ouvir

O teu canto sem igual,

Sem inveja e sem rancor

Eu direi que és a tal.

A flauta então respondeu:

— Agora não é possível,

Não está cá o artista

Que me faz ser imbatível.

— Que artista, minha amiga,

Essa é boa! Eu não sabia

Que precisas de ajudante,

Para cantar uma melodia!

— O meu senhor é quem sopra

E o meu som sai perfeito,

Porém, sem ele não dá

Eu não canto! Nada feito!

E o sabiá percebeu

Da flauta toda a vanglória,

Aplicou-lhe uma lição

Para terminar a história:

— Então, vivam os sabiás

Que cantam todos os dias,

E tiram do próprio peito

Os sons para as cantorias.

Há muitos iguais a ti

Que têm o costume feio,

De querer ser diamante

Usando o brilho alheio.

Flauta, ó flauta orgulhosa

Que escarnece de um amigo,

Desce do teu pedestal

Faz um dueto comigo!

E com toda a sua força

Alegre pôs-se a cantar,

E a flauta, quem diria,

Desistiu de casquinar!

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Cordel de minha autoria, baseado no conto "A flauta e o sabiá " de Henrique Maximiliano Coelho Neto (Caxias/1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista, romancista, teatrólogo, crítico, político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.

Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva

João Pessoa, 30/04/2012

Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 30/04/2012
Reeditado em 28/06/2024
Código do texto: T3641909
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