O vendedor de chapéus

ROMANCE EM CORDEL

DO POBRE INFELIZ

QUE DO QUAL SE DIZ

V E N D I A CHAPÉU

1

E

ra um homem que vendia

fosse noite ou fosse dia

chapéus, a pé pelas ruas.

Expostos n a s costas suas

esses iam numa vara,

l e v a d a, de forma rara,

n o s ombros do vendedor

à feição do S a l v a d o r.

Sendo a cidade pequena

quem comprasse não havia.

Então muitos só por pena

faziam-lhe a cortesia.

E apesar de não vender

um só nos últimos meses

seguiu com o seu abecê

passando até fome às vezes.

Nos últimos vinte anos

a mesma coisa ele fez

e os seus saberes lhanos

turvaram-lhe a sensatez.

Assim não pôde entender

que o negócio de chapéu

era da moda à mercê,

dado a variar ao léu.

Os que consigo trazia

não tinham a primazia

no gosto da juventude,

que ao panamá não acude.

Mas foi tanta a caridade

que lhe fez sua cidade

que é precisa a estimativa:

Seis chapéus por gente viva.

Mesmo os bebês tinham lá

só de chapéus dúzia meia.

Havia até sala cheia

ao teto de panamá.

No São João não as madeiras,

mas os chapéus que ardiam

e boa chama faziam

nas ruas ou em lareiras.

Caminhava, ainda assim,

em triste andança sem fim,

colhendo aqui compaixão

e ali adiante um tostão.

Para pena dos locais

ficavam cada vez mais

parcas suas carnes poucas,

mais fraca, sua voz rouca.

Era lida inadequada

a sua idade avançada

(de lucro nenhum ou pouco).

Já passava, assim, por louco.

Mas nessa história singela

reviravolta desponta,

que pôs – aquele que a conta,

na segunda parte dela.

2

S

endo bom conhecedor

das cabeças de seu povo

o I n f e l i z atinou

vender um produto novo.

V e n d e r i a c a f u n é,

arte que aprendeu sozinho,

homem, criança e mulher

comprariam o c a r i n h o.

E por ouvir muita queixa

contra o preço do chapéu

quis aproveitar a deixa

e dá-los em aluguel.

Mudou o pregão até:

“Olha aqui o panamá

Pra mor vender e alugar...

e vendo inté cafuné!”

Ele passou a gritar

pelas ruas do lugar,

grito limpo que mostrava

esperança renovada.

O veludo de sua mão

e também a novidade

remexeram co’a cidade

como nada até então.

A sorrir ele voltou

deu algum forro à carteira.

Não invejava Doutor

pois tinha eira e beira.

Mas a maldita Desgraça

acatitou bem o olho

e praga de mil piolhos

ela quis lançar na praça.

Não viu idade nem classe,

se espalhou sem distinção.

Não tinha quem não coçasse

o quengo com aflição.

O Padre, então, ponderou

que o infeliz vendedor

as suas mãos não lavava:

“Taí a causa da praga!”

Foi o que ele afirmou.

Ao Fiscal contaram tudo

e ele à rua se lançou

muito brabo e raçudo

foi atrás do vendedor.

Pediu-lhe carta e licença.

O pobre disse: “Dotô,

sou fabeto de nascença,

de paper sei não senhor”.

E o mau Fiscal Natalino

mandou que parasse o andor,

derrubou-lhe em desatino.

Viu, quem estava por lá,

pobre homem a chorar

ali sentado no chão

tapando a vista co’a mão.

E os panamás ao redor.

Disse o Fiscal: “É melhor

o senhor me obedecer

e as tralhas recolher”.

Quem defendesse não houve

o infeliz do mau Fiscal,

que foi grosseiro afinal,

mas o porque ninguém soube.

Mas digo que saberão

os que tem o conto à mão

ao lerem a parte terceira

dessa história verdadeira.

3

O

f e n d i d o e a c u a d o

Recolheu-se àquele pobre,

àquele imundo barraco,

a m a r e l o t e r r a : o c r e.

Sem labor – a fantasia

única que possuía –

que a ele foi negado

ficou logo adoentado.

Com a notícia que morria

a correr à luz do dia,

procurou-lhe velha ossuda,

ex teúda e manteúda,

que por Anita atendia.

Com ela vivera antes

de ser vendedor andante.

Em noite de valentia,

choro, faca e gritaria.

Largara-a para trás.

Foi com ponta de alegria

que a avistou em seus quintais.

Anita:

-Depois que ocê deixou eu

minha barriga cresceu

e nasceu, bem no Natal,

menino, que hoje é fiscal.

Que tá lá fora esperando

Pra mor de falar co ocê.

Natalino foi entrando

e começou a dizer:

Se te odiei já não sei

talvez sim, pois foste ausente,

mas nunca te quis doente

nem perseguido da Lei.

Eu não sei se te quis mal

talvez sim, por não amado,

mas nunca te quis domado

tal como bruto animal.

O que peço é teu perdão

e seu quepe jogou fora

se ele me der agora

terei minha redenção.

Peço: abra o coração

e tirou o seu colete

e esse teu filho aceite

antes da extrema unção.

Herdarei tua condição

e pôs a vara nas costas

com as chagas a ti impostas

sem qualquer hesitação.

Não morre o teu evangelho

já vestido como o velho

tomo a vida que é sua

em mim você continua.

Do teu pregão farei canto

já em desatado pranto

tomo a vida que era sua

em mim você continua.

O vendedor de Chapéus:

-Pois vejo que sois um burro,

desses de sonoro zurro,

ou será que não enxerga

que sempre vivi na merda?

FORMA ERRADA OU CERTA

O QUE , MAL OU BEM

E S C R E V E U ALGUÉM,

POR AQUI SE ENCERRA.