O contador de estórias
I
Em viagem ao sertão
Eu conheci um feirante
Um sujeito falastrão
Mas de postura elegante
Ficava o povo ao seu lado
E ele muito educado
Com uma ânsia incontida
Gastava sua oratória
Feliz a contar estória
Os fatos da sua vida
II
Passei um tempo curtindo
E achei interessante
Todo o povo aplaudindo
Aquela mente brilhante
Que narrou a sua vida
De forma tão divertida
Que vale a pena lembrar
Gravei uma ou outra estória
Que puxando da memória
Agora vou lhes contar
III
Dirigindo o seu possante
Num subúrbio da cidade
Ele voava rasante
A toda velocidade
Quando o guarda apitou
Ele o carro acelerou
Em flagrante desacato
Pisou cada vez mais fundo
E no pulsar de um segundo
Tinha atropelado um gato
IV
Olhou o retrovisor
E ficou meio intranquilo
Pois viu com certo estupor
Que vinha o bicho a segui-lo
Quando o gato emparelhou
Ele o vidro abaixou
Na buzina deu um toque
O gato gritou-lhe brabo
Que vinha buscar o rabo
Que ficou no parachoque
V
Um fato inusitado
Num dia de pescaria
Nunca tinha ele pescado
Era o seu primeiro dia
Porém ele não fez feio
Pescou um de um metro e meio
E já foi logo o tratando
Abriu-o com a peixeira
E ao lavar a sujeira
O peixe fugiu nadando
VI
Um pescador distraído
Que tava ali a pescar
E não viu o ocorrido
Ou seja, o peixe escapar
Quando sentiu o puxão
Fisgou o peixe fujão
E disse entusiasmado
Estou pasmo de surpresa
Pois aqui nessa represa
O peixe já vem tratado
VII
Numa noite de viagem
Seu carro quebrou na estrada
Ao vislumbrar a paisagem
Viu-se em uma enrascada
O lugar era deserto
Não tinha casa por perto
Teve de dormir no mato
Procurou uma clareira
Acendeu uma fogueira
Ali perto de um regato
VIII
Ao ver uns rastros no piso
Embora estivesse escuro
Ele ficou indeciso
Se ali era seguro
Sentindo um pouco de medo
Escolheu no arvoredo
Uma árvore resistente
Subiu num galho bem alto
Pra dormir sem sobressalto
Pois era um homem prudente
IX
Quando estava cochilando
Acordou de supetão
E quando olhou para o chão
Viu dois bichos conversando
Um deles tava dizendo
Que quem estava morrendo
Era o rico fazendeiro
Da Fazenda Pedra Escura
E quem descobrisse a cura
Ganharia um bom dinheiro
X
Nenhum remédio tomado
Tinha sortido efeito
Pois ninguém tinha tentado
O único que dava jeito
O remédio pro doente
Era botar leite quente
Para o vapor inalar
Não existe outra saída
Para curar a ferida
Que está a lhe matar
XI
Depois o bicho voou
Com o outro a segui-lo
Ele não mais acordou
Passou a noite tranquilo
No outro dia bem cedo
Foi usar o seu segredo
Pensando em tirar vantagem
Daquele golpe de sorte
Consertou o seu transporte
E prosseguiu a viagem
XII
Conseguiu logo encontrar
A Fazenda Pedra Escura
Pediu logo para entrar
Pois vinha trazer a cura
Para o dono moribundo
Porque só ele no mundo
O remédio conhecia
E disse que era urgente
Que trouxessem leite quente
Fervendo numa bacia
XIII
Com calma e sem alarde
Seguiu o recomendado
No outro dia de tarde
O homem tava curado
Ao curar o fazendeiro
Ele ganhou bom dinheiro
E ficou muito afamado
De vez em quando em segredo
Ele volta ao arvoredo
E passa a noite trepado
XIV
Passa a noite escutando
Novas receitas e curas
E vai todas decorando
Escondido nas alturas
Quando os bichos vão embora
Ele mal espera a hora
De sair para medicar
Algum outro moribundo
Em qualquer canto do mundo
E uma grana faturar
XV
Ele contou mais estória
Do que consigo lembrar
No momento a memória
Já começa a me falhar
Peço perdão a vocês
Um outro dia talvez
Contarei novas estórias
Daquele homem afamado
Seu presente, seu passado
As suas lutas e glórias