DOUTOR "M".
Doutor “M”
Formou-se em medicina
O sonho de ser doutor,
Novo, casado, dois filhos
A quem tinha muito amor,
Sua esposa hoje chora
Com muita tristeza e dor.
Seus pais que lutaram tanto
Pra ver o filho formado,
Hoje lamenta e padece
Num sofrimento velado,
Também sofrem os amigos
Que andaram ao seu lado.
Mergulhou de corpo e alma
No exercício da profissão,
Nos guetos da “Cracolandia”
Um antro de perdição,
Aonde o brilho do Crack
É luz na escuridão.
É luz que chama pra morte
Quem esta luz ascender,
Experiência maldita
Só estando dentro pra ver,
Doutor “M” foi, viveu e viu
O pior acontecer.
Naquele antro maldito
De perda e destruição,
Exercer a medicina
Só com muita devoção,
Lugar que nem padre vai
Pra dar a extrema unção.
Doutor “M” viu de perto
Crianças sendo estupradas,
Doença e muita sujeira
Mortes com datas marcadas,
AIDS, Sífilis e Hepatite,
Dormindo pelas calçadas.
Velhas ruínas sem teto
Com seus vãos escancarados,
A chuva caindo miúda
Em corpos abandonados,
Curtindo a noia do Crack
Em velhos cobertores enrolados.
Já não sentem frio
Não sentem fome nem dor,
A maldita droga é válvula de escape
Pra quem vive na rua sem valor,
Vivendo como zumbis
Carentes de Deus, carentes de amor.
Doutor “M” cansou de vê-los assim
E abraçou a causa sem pensar,
Um, dois, ou três que d’ali tirasse
Já valia a pena em si tentar,
Devolver de volta a vida de um “zumbi”
Era o bastante pra sua alma se alegrar.
E isso incomodou velhos costumes
Pra quem vive da desgraça sem valia,
Doutor “M” avançava passo a passo
Sem medir as ameaças que recebia,
Sem que nem porque tombou sem vida
Sem ver o fim da jornada que seguia.
Um edema pulmonar tirou-lhe a vida
E eu duvido que outro fique em seu lugar,
Todos choram sua morte prematura
Na verdade ele se foi sem combinar,
Enquanto isso a Cracolândia reprimida
Tão somente vai mudando de lugar.