A primeira viagem * Damião Metamorfose.

*

Quando pus o pé na estrada,

Cheio de sonho e ilusão...

Deparei-me com um mundo,

Hostil e sem coração.

Tratei dele com respeito

E voltei do mesmo jeito,

Com o sotaque do Sertão!

*

A panela de pressão,

Era algo novo pra mim.

O fogão a gás também,

Metrô, trânsito, enfim.

Com prédios pra todo o lado,

Placas dizendo: cuidado!

Eu pensei, vai ser meu fim...

*

Levei uma calça de brim,

Terilene e tropical.

Três calças, cinco camisas

E um tênis Montreal.

São Paulo a terra dos sonhos

E desenganos medonhos

Longe da terra natal!

*

Eu que sou do matagal

E quase não ia à Vila.

Em meio aos arranhas céus,

Longe da vida tranquila.

Vivendo em outro Estado,

Barulho e transito agitado

Meu Deus do céu, quanta fila!

*

Feito um Sansão sem Dalila,

Eu vivia enclausurado.

Trabalhando sem ter folgas

De domingo ou feriado.

Quanto mais eu trabalhava

Mas o cinto eu apertava

Pra voltar pro meu Estado!

*

Pra quem nasceu no roçado

E no roçado cresceu.

Morar na cidade grande

Era um sonho, porém eu.

Fui só porque era o jeito,

Pra mim o lugar perfeito

Era o velho Sertão meu!

*

Vivendo no apogeu,

Do auge da juventude.

Transformei-o em trabalho,

Força, ação e atitude...

Mas o tempo foi passando,

Eu fui me contaminando

E estragando a saúde!

*

Enchi a taça amiúde

Que eu não devia beber.

Fiz de um sonho o meu mundo

Pra tentar me convencer

Que o sonho e realidade...

Ali naquela cidade

Facilitava o viver!

*

Tirei do meu padecer

Algumas lições de vida.

Pra evitar ser mais um

Dormindo na Avenida...

Ou um reles viciado

Em tudo o que era pecado,

Candidato a suicida...

*

O que eu ganhei na lida

Foi mais do que eu pretendia.

E hoje eu sei com detalhes

De coisas que eu não sabia.

Que mesmo eu recebendo

Mais do que estou merecendo,

Bem mais caro eu pagaria!

*

Nunca tive galhardia

Nem ligava pra aperreio.

As armadilhas da vida

Quase me lascaram ao meio.

Porém não roubei ninguém

E nunca matei também,

Mas pecar? Eu pequei feio!

*

Eu comi sem ter receio

De ter uma indigestão.

Comida quase estragada,

Por ser tanta a precisão.

E Deus foi tão cordial

Comigo, que não fez mal,

Deu foi mais disposição!

*

Certa vez lá na são João

Debaixo do viaduto

Vinha uma viatura

E eu feito um bicho bruto

Corri pro lado oponente

“Bati” com ela de frente...

Quase meus pais botam luto!

*

Lutei pra colher o fruto

E hoje graças a Deus

Posso dizer sem enganos

Que colhi os frutos meus

Tenho um lar esposa e filhos

Que amenizam os empecilhos

Só com os carinhos seus...

*

Via teatros, museus...

Só pelo lado de fora.

Os bares ali do centro,

Puteiros da Rua Aurora...

Por não ter com que pagar,

Via e não podia entrar,

O jeito era ir embora!

*

Onde o filho sem mãe chora

Eu trabalhei sem cessar.

Enquanto muitos brincavam

Eu pensava em trabalhar.

Para juntar um trocado

E sair do alugado,

Ter um canto pra morar!

*

Em vez de eu blasfemar

Com a situação ralé.

Eu trabalha e guardava

Um pouco, sabe como é.

Ganhando um pouquinho a mais,

Eu ajudava aos meus pais

Vencer, era a minha fé!

*

Eu ia pra casa a pé

Passando na Rua Augusta...

Que era cheia de travecos

E mulher “pague o que custa”

Nu, seminua e despida

E eu descendo a Avenida

Com medo... De saia justa!

*

Morando em lugar que assusta,

Subsolo da pensão.

Convivendo com baratas,

Ratos e alagação...

Sempre cheio de otimismo

Ignorava o abismo

E ria da precisão...

*

Andar por baixo do chão

De Jabaquara a Santana.

Com baldeação na Sé

Pra economizar a grana.

Eu fiz por mais de uma vez,

Acho que foi todo mês

Ou talvez toda semana!

*

Feito um matuto bacana

Eu fiquei quando cheguei

Na cidade de são Paulo

Mas logo me adaptei

Com barulho e poluição,

Transito louco e ladrão

E outras coisas que enfrentei!

*

Em são Paulo eu enfrentei

Falsidade e hipocrisia...

Mas jovem suporta tudo

E todo o peso do dia...

Até o tal preconceito,

Com pessoas do meu jeito

Eu fingia que nem via!

*

São Paulo que me adotou

Também foi hostil comigo.

Pois apanhei de skinheads

Tratado com um inimigo.

Paguei sem saber o preço...

Tem coisas que eu esqueço

Mas dessa ai, não consigo!

*

A policia em um só dia

Corrigiu-me cinco vezes.

Uns já chegavam sorrindo

Dizendo: somos fregueses.

O que queriam? Maconha...

E eu dizia: sem vergonha,

Vai valer por quantos meses?

*

Passava a pé pela Sé,

Depois descia a ladeira.

Ia pro parque Dão Pedro,

Já escondia a carteira...

Pegava um ônibus lotado,

Raramente ia sentado,

Pense numa quebradeira!

*

Passava numa peneira

Quase todo santo dia.

Pagar conta, entrar na fila,

Sempre aquela correria.

Mas por ser jovem e robusto,

Pagava a qualquer custo

Por segundos de alegria...

*

Minha assim seguia

Sem motivos pra parar.

Mais amigos que inimigos,

Mais garboso que vulgar.

Mais sonhos do que conquista,

Paixões a perder de vista

E a vontade de voltar!

*

São Paulo me viu chorar,

Por dor, tristeza e paixão...

Foi o meu primeiro sonho

E a grande desilusão.

Mas pra falar a verdade,

Eu amo aquela cidade...

Porém prefiro o Sertão!

*

Foi com bagagem de mão

Que eu decidi viajar.

Até porque eu pensei

Que não ia demorar.

Mas contrariei meus planos

Por lá fiquei cinco anos

E vim só pra passear!

*

Não soube o que foi brincar,

Só conta e muito trabalho.

Isso nos primeiros anos,

Pra guardar algum cascalho.

Depois me soltei na vida,

Com mulher, farra e bebida...

Vacilou, sentava o “malho”!

*

Ser carta em outro baralho

Para mim foi complicado.

Trocar um sonho por outro

Sem tê-lo realizado

Foi ruim, mas ruim foi mais

Ficar longe dos meus pais

E ir morar noutro Estado.

*

Pensei que ia ser lembrado

Mas foi só eu me mudar.

Que os amigos se esqueceram

De escrever, telefonar...

O tempo foi se passando

A lembrança se acabando

E hoje eu resolvi lembrar!

*

São Paulo onde eu fui morar

Roubou-me a paz e o sossego.

No corre-corre diário

De casa para o emprego.

Emprego eu se perdia

Por causa da cobardia

De um puxa saco ou pelego!

*

Tive amigos de apego

Nos lugares que passei.

Porém sei que não existem

Mais marcas onde eu pisei.

Hoje se lá eu voltar

Pouco de mim vão lembrar,

Talvez um ou mais, não sei!

*

Hoje bem cedo eu lembrei

Da Sampa de antigamente.

Que pouco ou nada restou

Daquela gente descente.

No seu lugar foi surgindo,

Banditismo e destruindo

O romantismo inocente!

*

Fim

Desde já: muito obrigado à quem ler ou comentar esse Cordel... Deus nos ilumine sempre, inté+.

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 13/04/2012
Código do texto: T3610902
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