LUA-DE-MEL DE RAPUNZEL

Nas estórias dessa vida,

Nem tudo é leite com mel,

Às vezes fico perdida

Como a Torre de Babel

Mas agora eu vou contar,

Uma estória de arrasar

Com a donzela Rapunzel.

Ela era sorridente,

Uma menina bonita,

Com os cabelos enormes

Presos por laço de fita

Se não tivesse cetim,

Ou veludo, mesmo assim,

Ela amarrava com chita.

Linda, Rapunzel vivia

Sempre risonha a sonhar,

Com um moço da cidade

Que viesse lhe buscar,

Pois apesar de mocinha,

Da pouca idade que tinha,

Só pensava em se casar.

Se ela ia à escola

Quase nada aprendia,

Pois aula de matemática

Para ela era agonia,

Só pensava em casamento,

Aquilo era um tormento,

Toda noite, todo dia.

Se ela ia trabalhar,

A coisa se repetia

Fazer crochê nem pensar,

Costurar não aprendia

O negócio era casar,

Um marido arranjar,

Era o que ela queria.

Sua mãe tudo fazia

Para ver se ela estudava

Pantalona de veludo,

Saia-calça ela comprava

Mas nada ela queria,

Quase nada ela fazia,

E todo dia sonhava.

Pensava em se casar,

Não ficar para titia,

Não levar prá S. Antonio,

Como a comadre dizia

Debruçada na janela,

Já tava toda amarela,

Com girassol parecia.

Porém, um dia ela viu

Um moço bem apressado

Passando por sua rua,

Com uma mala de lado

Correu, deu uma espiada

E ficou apaixonada

Tava o destino traçado.

Como era o nome dele?

Você vai dizer quem é?

Nada disso interessa

O cabra botou foi fé

Olhou para Rapunzel

E foi tirando o chapéu,

Ou, sei lá, foi o boné.

Ela, toda animada,

Debruçou-se na janela,

Deu um tombo para frente,

Entortou a espinhela,

Deu um grito e disse oxente!

Acabei quebrando um dente

Mas vou me casar banguela.

Assim mesmo, desdentada,

Ela sorriu pro rapaz

Ele, todo encabulado,

Saiu olhando para trás

Do sorriso se lembrando,

De amores suspirando,

Disse: - É hoje ou nunca mais.

Voltou, perguntou pra ela:

- Você quer casar comigo?

Ela disse: - Mas se quero!

De pronto logo eu lhe digo,

Estou passando do ponto,

Meu benzim não fique tonto,

Estou correndo perigo.

Ele disse: - Espere um pouco,

Vou falar com o velhão,

Quero conversar com ele

Para pedir permissão

Conforme o que ele disser,

Seja lá o que Deus quiser,

Eu vou pedir sua mão.

Ela falou: - Ai meu Deus!

Só a mão não vai prestar,

Se ele não me der todinha,

Você não vai me levar?

Apesar de miudinha,

Estou ficando madurinha,

E doidinha pra casar.

O rapaz, por um minuto,

Pensou mesmo em desistir,

De falar em casamento,

E bem depressa fugir

Mas quando pensou que ela

Ainda estava na janela,

Ela disse: - Estou aqui.

As vizinhas nas janelas

Estavam todas olhando

Rapunzel, toda enxerida,

No rapaz se pendurando,

Parecia um beija-flor,

Para arranjar um amor,

Ela foi logo beijando.

Nisso saiu à janela

O seu pai meio zangado

Estava tirando um ronco

Com o barulho danado

Espiou, pegou um tronco,

Disse: Ou casa ou eu arranco

Os "óis" desse condenado.

O rapaz disse: - meu sogro

Eu queria lhe falar,

Quero pedir sua filha,

Pra com ela me casar

Não fique tão preocupado,

Já está tudo arrumado

Já temos onde morar.

O velho disse: - Sendo assim,

O que está esperando?

É pra logo e é pra já

Não vá ficar enrolando,

Ela está desesperada,

Quase ficando falada,

Até se desmantelando.

Porém, o rapaz falou:

- Preciso de um tempinho

Para comprar umas roupas,

E juntar um dinheirinho

Ela falou: - Deixe disso,

Só quero o compromisso

E morar no nosso ninho.

Marcaram o casamento

Para o mês de fevereiro

Ela ficou a esperar

Ele arranjar um dinheiro,

Já que iam se casar

E pro dinheiro arrumar,

Ele foi pro estrangeiro.

Os meses iam passando,

O noivo não escrevia

Rapunzel desesperando,

Ficando amarela e fria,

Com um desapontamento,

Só pensava em casamento,

Virgem Santa, que agonia!

Mas enfim, chegou o dia

Do sonhado casamento

Todo mundo se arrumando,

Com muito contentamento

O noivo de terno xadrez,

Parecia com um chinês,

Com o peito cheio de vento.

Rapunzel toda bonita,

Bem vestida e bem cafona,

Com os beiços bem pintados,

Parecendo com Madona,

Pensando: - Meu Deus do céu,

A nossa lua-de-mel,

Vai ser hoje, que bacana !

Terminada a cerimônia,

Rapunzel, impaciente,

Não queria perder tempo,

Pensava nos "finalmente"

Nisso surgiu um padrinho

E disse: - Espere um pouquinho,

Está aqui o meu presente.

Tirou do bolso uma chave

E falou com afeição,

É um presente de pobre,

Mas dado de coração

Vão arrumando o farnel,

Pra passar a lua-de-mel

Em Baia da Traição.

- Não vamos levar farnel

Nós vamos é namorar,

Amanhã a gente encontra

Alimentos para comprar

Um amor e uma cabana

Talvez seja mais bacana,

Nós nem vamos almoçar.

E o noivo pensou assim:

- Que beleza, que legal,

Vou beijar e amar muito

Não vai haver nada igual

Eu nem vou levar comida,

Meu bem seja precavida,

Prá depois não passar mal.

Mas faltava a festinha

Para o bolo se comer

Porém, ela apressada,

Com vontade de correr,

Só pensava em viajar

E à cabana chegar,

Para o "love" acontecer.

Dizia aos convidados

- Andem logo, meus vizinhos,

Comam todo este bolo,

Bebam todo esse vinho,

Mas façam isso depressa,

Não quero muita conversa

Já estamos a caminho.

O noivo, encabulado

Com a pressa de Rapunzel,

Doido pra tomar cerveja

Mas ela queria mel,

E dizia: - Meu benzinho,

Fique bem acordadinho,

Igualzinho a um tetéu.

E, enfim, chegou a hora

Do casal se despedir

Para a tal lua-de-mel

Eles já iam partir

- Benção mãe e benção pai,

Sei não, do jeito que vai

Hoje ninguém vai dormir.

Daí foi que se lembraram,

E cadê a condução?

Chamaram um rapazinho

Parecido com um trovão,

E disseram: - Vai, Catarro,

À rua e aluga um carro

Pois nós temos precisão.

Ele foi e bem depressa

Trouxe uma velha rural,

Já com um pneu furado

Ela disse: - Nada mal,

Nem que ande devagar,

Eu quero mesmo é chegar

Pra descontar o atrasado.

Saíram bem animados,

Pensando em logo chegar,

Botar fogo no paiol

E a noite aproveitar

E de manhã, bem cedinho,

Bem juntos, agarradinhos,

Tomarem banho de mar.

Passavam por Marcação

Quando o azar começou

A rural pendeu de lado,

Pois o pneu estourou,

Acabou-se a gasolina

E também a adrenalina,

E o cansaço chegou.

Em meio à escuridão,

Sem saber o que fazer,

O estepe não existia

E não havia o que comer

O noivo já bem zangado,

O motorista assustado,

Com vontade de correr.

Passava de meia-noite

Quando o azar acabou

O motorista enrolado,

O seu pneu consertou

E o casal, num momento,

Rapidinho, igual ao vento,

Ao seu destino chegou.

Chegaram, abriram a porta,

Foram logo se deitando,

Na hora do vamos ver,

Uma coisa eles notando

As tripas já davam um nó

E cansadinhos que só,

Eles já foram roncando.

Pela manhã, acordaram

E viram o tempo perdido,

Ela ali, toda bisonha,

Ele ali, entristecido

Parecia até um azar,

Mesmo antes de começar

Já haviam desistido.

Ela disse: - Meu amor,

A fraqueza me consome

Estou tonta, meio fraca,

Quase esqueci o seu nome

Se eu não comer agora,

Meu nego, vamos embora

Ou então morro de fome.

Foi então que resolveram

Procurar um restaurante

Andaram uma légua e meia

E umas cinco mais adiante,

Encontraram uma aldeia,

Um cacique de cara feia,

E um bar meio distante.

Quando chegaram ao bar,

Doidos pra comer pirão,

Para arranjar sustança

E namorar um tempão

Veio uma velha banguela,

Com um taco de costela

E alguns de fruta-pão.

Eles se entreolharam,

E perguntaram sem consolo

- Só tem isso de comida?

Ela disse: - Esse é o rolo,

Se ocê garante esperá,

Mando vir da capitã

Duas fatias de bolo.

Os dois já desanimados

Chegaram à conclusão,

Que era melhor comer

Os tacos de fruta-pão,

Roer ossos de costela,

Depois comprar uma vela,

E pedir extrema-unção.

Comeram, pagaram a conta

Saíram desconsolados

Com as barrigas roncando

E os bolsos meio furados

Com vontade de comer,

Começaram a entender

Que o "clima" tava acabado.

Já um tantinho sem graça,

Lembrou-se a Rapunzel

Que encontrara na cozinha

A garrafinha de mel

Pensou comer com farinha,

Para ficar fortezinha

E levantar o troféu.

Foi à cozinha e pegou

A garrafa e, com jeitinho,

Colocou o mel num prato

E falou: - Vem, meu benzinho

Nisso ouviu um estalo,

Como uns tropéis de cavalo

E um canto de passarinho.

Ela olhou para os lados,

Mas ninguém apareceu

Ficou meio arrepiada,

Mas de repente esqueceu

Colocou o mel na boca

E ouviu uma voz rouca,

Dizer: - Benzinho, sou eu!

Daí ela se lembrou

De um namorado que tinha,

Que morrera engasgado

Com rapadura e farinha

Saiu gritando, apressada

- Virgem Santa Imaculada,

Que sorte triste essa minha.

O marido, assustado,

Sem saber o que fazer,

Então correu para um lado,

Querendo se esconder

Bateu no estrado da cama,

Caiu numa poça de lama,

Pensou que ia morrer.

A pobre da Rapunzel,

Já com medo, apavorada

Saiu tremendo da sala

Numa carreira abalada

Tropeçou num tamborete,

Deu de cara com um porrete,

Teve a cabeça lascada.

Nessa noite eles gemiam,

Gritavam e choravam os ais,

Chamavam Deus e os Santos,

Chamavam até satanás

A essa altura em meu cordel

A chance da Rapunzel

Era hoje ou nunca mais.

Mesmo assim devo dizer

Que ela não desistia

E só pensava naquilo,

Toda noite e todo dia

Pensou um plano montar,

Pra fazer funcionar

O "love" que ela queria.

Tomou banho de perfume

Botou talco alma-de-flores,

Vestiu uma camisola

Das mais variadas cores,

Disse: - Agora quero ver

Se nós vamos resolver

E até morrer de amores.

Quando tudo ia bem,

Numa emoção profunda,

Viu um vulto de mulher

E com semelhante bunda,

Com uma cara tão feia,

Um cabelo de sereia,

Gritou: - É dona Raimunda!

A mulher de cara feia,

Com um corpo de violão,

Chegou pertinho do noivo

Tremendo de emoção

Eu não quero exagerar,

Mas dava pra escutar

O tum-tum do coração.

E foi um susto tão grande

Rapunzel desfaleceu,

Ele doido a perguntar:

-O que foi que aconteceu?

Ela tornou, sem demora,

E resolveu ir embora,

E dali se escafedeu.

Saiu correndo e chorando

Dizendo: - Quero mais não,

Vou agora para a estrada

Em busca de condução

Se você não me levar,

Eu juro, vou encontrar

Carona num caminhão.

Ele gritava: - Rapunzel!

Volta aqui meu amorzinho

E ela desembestada,

Chorando pelo caminho,

Com a barriga roncando,

As pernas já tropeçando,

Falando: - Fique sozinho.

Daí o marido entendeu

Que já não valia a pena

Continuar se a novela

Já virara uma novena,

Um sacrifício de vida

Ela toda arrependida,

Qual Maria Madalena.

Resolveu também voltar

E os dois, desconsolados,

Ficaram lá na estrada,

Com medo, olhando pros lados

Quando viram um caminhão

Tendo em cima um colchão,

Ficaram bem animados.

Eles pediram uma carona

O homem disse:- É pra já,

Podem ir subindo na carga

E com uma corda se amarrar,

Desculpe, meu companheiro,

Mas falando em dinheiro,

Quanto é que vai me dar?

O noivo olhou para os bolsos

Meteu a mão com tristeza

Pagar aquela viagem

Não era grande beleza

O motorista enjoado

Falou: -São dois mil cruzados,

Deixe de tanta avareza.

O noivo disse: -Eu não tenho

Esse valor é demais,

O motorista: - Então desçam

E venham correndo atrás

Andar em meu caminhão

Eu não levo por tostão

Adeus... Até nunca mais.

Recusaram-se a pagar

E desceram do caminhão

Ficaram lá na estrada

Com uma mala na mão,

A noitinha já chegando,

O medo já aumentando

Deus do Céu, que confusão.

Depois de algumas horas

Viram outro caminhão,

Com uma carga de galinha

E mais um porco ’barrão’

Pediram uma carona

E o motorista bacana:

- Sobe aí, ó meu patrão!

Eles subiram no carro

E ficaram bem quietos,

As galinhas a cocoricar

Um porco, bastante esperto,

Chegou perto, quase encosta,

Deu uma rajada de bosta

Que o casal ficou coberto.

Mesmo com dificuldades

Chegaram à terra natal,

Ele fedendo e cansado

Ela já passando mal

Ele falou, num estalo:

- Nós vamos para S. Paulo,

Aqui só tem carnaval.

Juntaram os trapos de novo

E foram pra capital,

Rapunzel toda tristonha,

Lamentando sem igual,

Dizendo: - Meu Deus do Céu,

Essa tal lua-de-mel

Quando é que chega, afinal?

Ali compraram passagens,

Tomaram ônibus, partiram

Com destino à nova vida,

Nem sequer se despediram

Viajaram de repente,

Os amigos e parentes,

Só depois que descobriram.

Três dias e duas noites

Dentro de um pau-de-arara,

Catabis pra todo lado

E o cansaço na cara,

Rapunzel pensou também

Ser amada, ter um bem,

Era coisa muito rara.

Vendo a rodoviária,

Com aquele turbilhão

Ela olhou para o marido,

Disse: - Que complicação,

Pelo jeito que estou vendo

Com tanta gente correndo,

Isso é a revolução.

Ele disse:- Meu amor

Não ligue pra isso não,

É um vaivém danado,

Parece até procissão

Mas onde vamos morar,

É calmo, bom de ficar,

Sossegue o seu coração.

Saíram puxando as malas

Para tomar um transporte

Veio uma chuva danada,

Com um vento muito forte,

E o casal "Tudo Azul"

Ao invés de zona Sul,

Foi parar na zona Norte.

O que podiam fazer

Com aquele pé de vento?

Sem a cidade conhecer,

Pensaram por um momento

Passar por baixo da ponte

E arranjar, num instante,

Um danado de um jumento.

Mesmo bastante cansados

Tomaram uma condução,

Desceram lá no metrô

Pra fazer a integração,

Ele olhando pra morena

Ao invés de Ponte Pequena,

Foi parar na São João.

Descendo na estação

Com os olhos arregalados,

Para ela tudo novo,

Nada igual nem imitado,

Não prestou bem a atenção

E levou um tropeção,

Pacote pra todo lado.

Estava um tanto nervosa,

Sem saber o que fazer

Jogou tudo na sacola

E se danou a correr,

De guarda-chuva armado

Tendo numa velha esbarrado,

Começou logo a tremer.

É que a danada da velha,

Parecida com o cão,

Tinha uma cabeça enorme

Do tamanho de um balão,

E linda, toda arrumada,

Porém já meio pelada

Usava um perucão.

Pior é que o guarda-chuva

Enrolou-se na peruca,

A velha perdeu a pose

Gritou, feito uma maluca,

Desceu de escada abaixo,

Foi aquele esculacho,

Quase que lascava a Cuca.

A mulher endiabrada

Gritando, que baixaria!

Rapunzel toda enrolada

Chorava e também sorria

Subiu de escada rolante,

Foi um tombo estrondeante,

Dessa vez quase morria.

Tomar o ônibus de volta

Parecia uma novena,

Já sentiam uma revolta,

Uma fome que envenena,

Mas dessa vez, tudo certo,

Já estavam quase perto

Da estação Ponte Pequena.

Ela olhando a cidade

Com aquela iluminação,

Pensou:- Isso é Nova York,

Nicarágua ou Japão?

Apesar desses barulhos,

Mesmo com esses embrulhos,

Eu vejo estrelas no chão.

Chegaram... Abriram as portas

E quase mortos de emoção,

Já com as espinhas tortas

Jogaram as malas no chão,

Daqui pra frente... É mistério,

É assunto muito sério...

Eu juro...Não conto, não!

Elaborado com base em fato verídico, acontecido pelas bandas do meu Nordeste.

Peço desculpas pelos termos: velha, cabeção, pois aqui os mesmos figuram apenas para dar uma descontração ao meu cordel. Há alguns exageros, mas juro, quase tudo é verdade.

Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva

João Pessoa, 29/13/2012

Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 29/03/2012
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