A pescaria aloprada
Autor: Edmilton Torres
I
Se eu não tivesse visto
Eu não acreditaria
E se não fosse verdade
Também não lhes contaria
As coisas que eu peguei
Num dia de pescaria
II
Cheguei cedo ao açude
Para aproveitar o dia
Mas por mais que eu tentasse
Nenhum peixe conseguia
E gastei as minhas iscas
Bem antes do que previa
III
Na vida de pescador
Nunca fui tão humilhado
Botei mais uma minhoca
E fui para o outro lado
Pra ver se dava mais sorte
Naquele dia azarado
IV
Quando morderam a isca
Eu puxei todo animado
E para minha surpresa
Arrastei um cadeado
Fechado e sem a chave
E era da marca PADO
V
A partir desse momento
Minha pesca foi moleza
Cada puxada de linha
Trazia nova surpresa
Na segunda tentativa
Veio uma lanterna acesa
VI
Veio uma panela inglesa
Com cabo de porcelana
Um taco velho de golfe
Uma garrafa de cana
Um penico de alumínio
E uma palma de banana
VII
Pesquei um disco da Xuxa
Uma boneca de pano
Um calendário bem velho
Nem dava pra ver o ano
Um despertador novinho
E uma bota meio-cano
VIII
Depois veio um violão
Com uma corda faltando
Um martelo enferrujado
Com o cabo se quebrando
E um pião de goiabeira
Que ainda tava rodando
IX
Pesquei um cuscuz de milho
Uma bandeira cubana
Pesquei um rolo de fumo
Uma sandália havaiana
Um peba de óculos escuro
Porque não tinha pestana
X
Depois veio um crucifixo
Todo em ouro maciço
Um alicate de unha
Estátua do padre Ciço
E um saco de farinha
Que quase quebra o caniço
XI
Peguei um rádio ligado
Um telefone tocando
Um ventilador de teto
Ainda funcionando
Uma espingarda 12
E uma cigarra cantando
XII
Pesquei um punhal de prata
Com o meu nome gravado
Dois pneus de bicicleta
Um inteiro outro furado
Um cordão com uma chave
A chave do cadeado
XIII
Pesquei um isqueiro aceso
Que quase queimava a linha
Pesquei uma ratoeira
Quatro ovos de galinha
Um chapéu de cangaceiro
E um novelo de linha
XIV
Pesquei um radiador
De um Ford 51
Um saco de macaxeira
E outro de jerimum
E uma cabaça velha
Com quase um litro de rum
XV
Pesquei um porta-retrato
Com a foto de Lampião
Numa estrada do Egito
Dirigindo um caminhão
Cheinho de cangaceiro
Com bacamarte na mão
XVI
Pescar o que eu pesquei
Não é lá muito comum
Não sei se lembrei de tudo
Talvez esqueci algum
Mas peixe que era bom
Saí sem pagar nenhum