EU SÓ SEI QUE FOI ASSIM
Donana chegou em casa
Cabumbada e fedorenta,
Um tanto mal humorada
Faiscando pela venta,
Seu Mané falou : - Oxente!
De onde vem esta nojenta ?
Donana falou : - Seu cabra
Que é que você quer comigo?
Eu tava com os camaradas,
Bebendo e encostando o umbigo
Botei a conta em seu nome,
É esse o seu castigo.
Seu Mané ficou danado
Com aquele atrevimento,
E disse: - Mulher perdida
Eu não te dou cabimento,
Se o que falaste é verdade
Vai começar teu tormento.
Nisso chamou logo um neto
E lhe pediu: - " meu bichinho"
Vá lá na venda do Joca,
Com este meu caderninho
Pra ele dizer da conta,
O que é cachaça e vinho.
Seu Mané quando era moço
Só pensava em beber,
Passava o dia na farra
E nem queria saber,
Tomava tanto goró
Que via a hora morrer.
Mas agora Seu Mané
Era um homem controlado,
Tava com barriga grande
E os mocotós inchados,
Entrou pra religião
Pra conseguir ser curado.
Nas preces ele dizia :
- Valei-me meu São Heleno
O que fiz do meu destino,
Todo mundo está vendo
Hoje estou acabado,
E as muié tão sabendo.
Agora que eu estou assim
Quase nem posso viver,
Lá vem essa condenada
O dia todo a beber,
E a conta é pra eu pagar
Isso é de enlouquecer!
Quando o meu neto chegar
Vou saber toda a verdade,
Saber se essa cachorra
Praticou essa maldade,
Dou-lhe uma surra tão grande
Sem dó e sem piedade.
Eu mesmo não vou pagar
Conta dessa cachaceira,
Pra ela andar por aí
Solta nessa bagaceira,
Sabe Deus fazendo o que
Nas moitas de bananeira.
Quando o menino voltou
Ele disse sem consolo:
-Dê-me logo esse caderno
Pra eu saber desse rolo,
Tomara que em vez de cana
Ela tenha comido bolo.
Mas quando ele viu a conta,
Tamanha decepção
Cinco reais de biscoito,
E vinte reais de pão
Uns trocadinhos de carne,
De cana, quase um milhão.
Aí já era demais
Seu Mané desatinou,
Deu um murro na cadeira
Que a casa toda estrondou,
Jogou no chão a chaleira
Que até o fogo apagou.
E disse: - Agora, mulher
Já que estás numa boa,
Vou te mostrar como faço
Com três paus uma canoa,
Dou-te uma surra tão grande
Vais ficar cantando loa.
Donana disse: - Pois venha
Não tenho medo de nada,
Se me bater também leva
E vou dormir na calçada,
Eu bebo e te boto um chifre
Nessa cabeça pelada.
Quero ver é quem me empata
Eu fazer o que bem quero,
Eu sou casada contigo
Mas deixa de lero-lero,
Não dás conta do recado
Ficas dançando bolero.
Eu vou é pra gafieira
Encontrar um novo amor,
Que goste de vida boa
E a tudo dê valor,
Vai te deitar, ó nojento
Fecha a porta ,faz favor!
E o Mané que estava
Já meio injuriado,
Disse: - Ó mulher imunda
Vou te mandar um recado,
Pega os teus panos de bunda
Que tudo está acabado.
Maldita a hora, meu Deus,
Que encontrei esta bandida
A ela eu dediquei,
Quase toda a minha vida
Agora que estou cansado,
Ela virou enxerida.
E Mané dizendo aquilo
Perdeu mesmo a esperança,
Deu um sopapo em Donana
Que acordou a vizinhança,
O povo todo correu
Pra ver aquela lambança.
Mas a danada da velha
Já cheia de carraspana,
Dizia: - Vem condenado
Que eu te dou uma banana,
Parecia que era feita
De matéria desumana.
E Mané já sem controle
Botou mesmo prá quebrar,
Deu-lhe uma cacetada
De fazer arrepiar,
Mas Donana nem ligava
Prometia se vingar!
- Quando eu sair daqui
Vou cavar teu xilindró,
Você, seu corno, me aguarde
Ou então coma jiló,
Que o seu chifre sai da testa
Dobra e vai pro mocotó.
E ele desesperado
Sem saber o que falar,
Lembrou-se de uma prece
E começou a rezar,
Dizia: - Só São Heleno
Faz essa peste parar!
Aos socos e pontapés
Mané fez uma arruaça,
Deu-lhe um grande tapa-olho
Quase lhe quebra a carcaça,
Dizia assim: - Depois dessa,
Vais tomar muita manguaça.
Mané batia e dizia
São Heleno ,meu irmão,
Leva esta infeliz
Eu não estou podendo,não
Se você não me ajudar,
Recorro a Frei Damião.
Nisto a pobre da Donana
Já feito barata tonta,
Meteu o quengo na terra
Mas parecia uma lontra,
Ele olhou e disse: -Virge!
Eu acho que ela tá pronta!
E os vizinhos eram tantos
Chegaram para espiar,
Mané botou pé no mundo
Ninguém conseguiu achar,
E o corpo de Donana
Ao neto coube enterrar.
E quando o povo pergunta
O que foi que aconteceu,
O neto diz : - Eu não sei
Eu só sei que não fui eu
Meu avô fez uma prece,
E São Heleno atendeu.
Contaram-me bem direitinho,
O fato como ocorreu
Aumento mas não invento,
Não sei como aconteceu,
Se me chamam a provar,
O Diabo vá, mas não eu!
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Quero pedir desculpas a todos , principalmente às mulheres, pelos termos usados, pelas cenas de violência, mas esta estória (com um pouco de fantasia - de minha parte - para tornar mais engraçado o meu cordel), é real, ou quase real e me foi contada pelo proprio neto dos envolvidos.
Maria do Socorro Domingos S. Silva
João Pessoa, 06/03/2012