A FESTA NO CEMITÉRIO

Trecho do Cordel:

Eu conheço um pá de gente

Que não leva muito a sério

Essa história de fantasma:

Porém mudando o critério

Tem um outro medroso

Que fica logo nervoso

Quando o assunto é cemitério.

Nonato de Antõe Lotero

Nunca foi de trabalhar

Reuniu uns camaradas

Para um conjunto formar

Pensando em ganhar dinheiro

E em tudo que era terreiro

Se danaram a tocar.

Em seu Zeca de Sinhá

Fizeram um grande piseiro

E desse dia pra cá

Dizia o sertão inteiro

Em tudo quanto é lugar

Que tocador pra tocar

É Nonato sanfoneiro

Já tá com quatro Janeiro

Que o homem se afamou

E de mil em mil reais

Até carro já comprou

Mas na semana passada

Nonato pegou a estrada

E até hoje não voltou.

Ontem ele me ligou

Tentando se explicar

E falou no telefone

Que ele não é de faltar

Mas já faltou umas três festas

E a causa da falta é esta

Que eu agora vou contar.

Ele disse que no bar

De seu Joaquim da Angola

Quando um dia foi tocar

Depois de um jogo de bola

A turma toda animada

Quando surgindo do nada

Lhe apareceu um gabola.

«Esse sujeito pachola

Se dizendo muito rico

Chegou com umas conversas

Disse que ouviu uns fuxico

Que eu era muito afamado

E que tava contratado

Pra tocar em Seu Mundico.

Que Maria de Davico

Já me contratou também

Ele havia dito que

Me queira muito bem

Que em matéria de conjunto

Por aqui melhor não tem.

-E como no mês que vem

Tem festa no meu povoado

É uma tradição que tem

Toda vespera de finados

Por isso que eu vim de lá

Já pode se preparar

Que o senhor tá contratado.

Eu fiquei contrariado

Em despachar o rapaz

Mas na véspera de finados

Eu lhe disse não dá mais,

Porque tou apalavrado

Por mil reais contratado

Para tocar em Tomáz.

Sem quere prolongar mais

E na conversa por fim

O sujeito aborrecido

Falou pra eu mesmo assim:

-Já lhe disse que sou rico!

Seus mil reais eu triplico

E você toca é pra mim.

Foi me dando um farnizim

E eu respondi,sim senhor

Até que enfim aparece

Alguém que me dê valor!

Tomaz fica chateado

Por eu quebrar o tratado

Mas por essa grana eu vou

O trato ali se acertou

Foi cada um pro seu lado

Os dias foram passando,

Chega o dia de finados

Vi o sujeito chegar

Dizendo vim lhe buscar

Para o show já combinado.

Eu já tinha até comprado

Uma caravam lilás

Pra conduzir o conjunto

Por aqueles carrascais

Com minha turma contente

O moço seguiu na frente

E eu sai atrás.

Fomos seguindo o rapaz

Nosso grupo sempre esperto

A estrada na verdade

Era um caminho deserto

Sem casa, moradia

Uma pessoa não se via

Residindo ali por perto.

O Zabumbeiro Norberto

Tinha o dom de ver visão

E dizia que era certo

Que passou um caminhão

Carregado de pessoa

Com vela, terço e coroa

Com jeito de procissão.

Mas ninguém deu atenção

À conversa do baixinho

Pra completar a história

Mais adiante no caminho

A gasolina acabou,

Mas o ponteiro marcou

Que o tanque se encheu sozinho.

Disse Norberto, o baixinho:

- Tou dizendo que é cilada!

Tanque que enche sozinho,

Nenhuma casa na estrada,

Pode escrever no caderno,

Vamos chegar no inferno

E não vai demorar nada!

Mais dez minutos de estrada

Avistemos o povoado

Muita casinha decente

Um terreirão aguado

Uma latada bem feitinha

Dez mulheres na cozinha

Já preparando os assados.

Congeladores lotados

De cerveja bem gelada

Os quartos de boi tratados

Pro churrasco da moçada

E num canto do terreiro

Se aprontando pro piseiro

Muita mulher afamada.

Pra melhorar a toada

O cabra do combinado

Deu metade do dinheiro

E eu fiquei mais animado

Daí não demorou muito

E os cabras do meu conjunto

Tava tudo preparado.

O forró comeu tampado

Começou a juntar gente

E o salão ficou lotado

Isso assim bem de repente,

Nas entradas do baião

Rebolando no salão

Só mulherzona decente.

Caminhão cheio de gente

Não parava de chegar

Muita cerveja e cachaça

Sem ninguém se embebedar

E em toda essa multidão

Não se via uma confusão,

O que era de admirar.

Eu comecei a tocar

Um baião apaixonado

E as damas do salão

Me botaram mau olhado

Para dar uma fugidinha

Eu dei uma paradinha

Fingí que estava cansado.

Com uma mulher de lado

Eu entrei no matagal

A noite virou um dia

O fuzuê foi geral

Me esqueci até da festa

E no meio da floresta

Fiz uma festa sexual.

Com instinto de animal

Joguei meu chapéu no chão

E a mulher fumaçando

No incêndio da paixão

Gritar meu nome eu ouvi

Na pressa até esqueci

Meu chapéu de Lampião.

Rolou de novo o baião

O povo pegou dançar

Poeira cobriu o chão

Até o dia raiar

Eram quase cinco horas

Todo mundo foi embora

E ficou só o lugar.

O moço veio pagar

Todinho em notas de cem

Agradecí prazenteiro

O contrato pago bem

Entrei no carro de novo

Saí dali com meu povo

E os instrumentos também.

Triangueiro Zé de Nenem

Começou soltar uns ventos

Disse que não tava bem

Pois comeu feito um jumento

Sugeriu que eu lhe pagasse

E numa farmácia parasse

Pra comprar medicamento.

Parei o carro um momento

No bolso metí a mão

Fiquei todo arrepiado

Com uma estranha sensação

Senti falta do dinheiro

E falei pros companheiros:

- A grana num tá aqui não!

Fomos prestar atenção

Naquele momento exato:

Caímos numa cilada

E constatamos no ato

Que o dinheiro arrecadado

Tinha sido transformado

Em folha seca do mato.

Voltemos de imediato

Atrás do cabra safado

Pois sabia que ele tinha

Ficado no povoado

Mas ao chegar no lugar

Sabe o que é que tinha lá?

Um cemitério encantado!

O lugar tinha virado

Um escuro cemiterão

Perdido no meio do mato

Sem cerca, muro e portão

Vendo que não tinha jeito

Eu pensei logo: - Bem feito,

Foi a minha ambição!

Ganância é uma ilusão

Que a honestidade reprova

Pela ambição fui traído

E pra completar a sova

Que tomei como lição,

Meu chapéu de Lampião

Tava em cima de uma cova.

Em mim ainda se renova

De vez em quando me assunta

Viro, remexo e não acho

A resposta da pergunta

Que trago no coração:

Toquei pras assombração

E transei com uma defunta?

Os outros tavam sem junta,

Sem nervo,sem reação

Olhando praquelas covas

resto de velas no chão

todo mundo se assombrou

e acabou-se até a dor

de barriga do peidão!

pra aumentar a confusão

e piora nossa sina

por causa da assombração

acabouse-a gasolina

no meio da imensidão

Como sendo uma lição

Que a vivência nos ensina.

Se houviu uma risada fina

De viver perdi a fé

Bem longe escutei o canto

De um galo garnizé

Fazendo o maoir esparro.

Bandonemos o carro

Voltemos a pé.

FOi então que eu dei fé

O que é que a ganância faz

E pensei assim: Pis é,

Eu não toquei pra Tomáz

Dei uma de aventureiro

Pensando em ganhar dinheiro

E perdi meus mil reais!

Não quero me lembrar mais

Pois isso não me convém

Depois tem outro dilema:

Como explicar pra alguém

Que toquei com meu conjunto

Toda a noite pros defuntos

Sem ganhar nenhum vintém?

Só toco agora pra quem

Me provar que não morreu

O padre me garantindo

Que o cabra num é ateu

E gritar de comoção

Quando eu der-lhe um beliscão,

Só assim me convenceu.

Se o padre não benzeu

O contrato não se faz

Mesmo morto de vergonha

Peço desculpa a Tomáz

Porque o assunto é sério,

E perto de cemitério

Não vou tocar nunca mais!»

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 29/07/2014
Código do texto: T3493894
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