A COBRA SABIDA - UMA LENDA BRASILEIRA
Quando isso aconteceu
Não vem ao caso o critério
Pois o tema do folheto
Trata de um assunto sério;
Um amigo me contou
Que a cobra quase levou
Mãe e filho ao cemitério.
Zeca de Chico Lotério
Que nasceu em Jaçanã
Casou com uma galega
Dessas do tipo alemã
Morando em Nova Floresta
Tinha uma vida modesta
Mas de corpo e mente sã.
Numa chuvosa manhã
Depois de um ano casados
Nasce seu primeiro filho
Gorducho, lindo e rosado
Com ele a felicidade
Chegou com simplicidade
Nesse lar abençoado.
Mas pouco tempo passado
A criança definhou
A mãe que era bem forte
Também magrela ficou
Nem reza da Providência
Nem o estudo da ciência
Aquele fato explicou.
Certa noite se escutou
Da criancinha o gemido
Chorava que dava pena
Porque não tinha comido
Toda noite ele mamava
Mas o leite que a mãe dava
Havia desaparecido.
O bebê que era nutrido
Começou a emagrecer
Somente durante o dia
Ele podia comer
A mãe com leite dormia
Mas de manhã ela via
Tudo desaparecer.
Porém não era o bebê
Que o seu leite mamava
Por falta do alimento
A noite toda chorava
Mãe, de peito avolumado,
Mas tudo era sugado
E ela mais definhava.
Nada ali se explicava
O tempo foi se passando
Criança esperta de dia
E a noite toda chorando
Mais e mais emagrecia
Mãe também no dia a dia
Mais seca ia ficando.
A vizinhança rezando
Ave Maria, Pai Nosso,
Imaginando o desfecho
Daqueles dois com sobroço
A criancinha na lona
E a mãe que era gostosona
Só tinha o couro e o osso.
Quase no fundo do poço
O lar de Zeca Lotério
A mulher caía de magra
A casa era um necrotério
O filhinho sucumbia
Mas nada acontecia
Que mostrasse um revertério.
O mormaço estava sério
Pois o verão começou
Das flores da primavera
Nenhuma delas restou
E aquela mãe com o rebento
Condenada ao sofrimento
Da magreza e do calor.
Um dia Zeca acordou
Era alta madrugada
Abriu todas as janelas
Para dar uma refrescada
Lua clara como um dia
Tão branca que parecia
Com um prato de coalhada.
Resolveu dar uma olhada
Na família magricela
Foi aí que descobriu
De onde vinha tal mazela
Qual era o empecilho
Que levava mãe e filho
A cair na esparrela.
Pelo clarão da janela
Ele pôde observar
Uma coisa diferente
Que o fez arrepiar
Deitada naquela cama
Com a mulher que tanto ama
Difícil de se explicar.
Pra melhor observar
O que estava acontecendo
Lotério acendeu a luz
Viu aquele quadro horrendo
Sobre a esposa deitada
Uma serpente estirada
O leite dela sorvendo.
Lotério ainda foi vendo
Como a coisa acontecia
A cobra sugava as tetas
A mulher desfalecia
E a criança segurava
Da cobra o rabo e mamava
Até amanhecer o dia.
Da mulher a energia
A grande cobra puxava
Por isso mais e mais forte
A cada dia ficava
E a pobre criancinha
Mamava a noite inteirinha
Mas ali nada encontrava.
Zeca do jeito que estava
Ficou muito apavorado
Pegou no rabo da cobra
E puxou desesperado
Com a trave da janela
Bateu na cabeça dela
Foi sangue pra todo lado.
Gritou feito um alucinado
Acordando a vizinhança
Abraçou sua esposa
Juntamente com a criança
E pressentiram depois
Que salvar aqueles dois
Ainda havia esperança.
Na outra noite a criança
Pôde mamar à vontade
A mãe amanheceu forte
Cheia de virilidade
Naquele azarado lar
Já se via despontar
A luz da virilidade.
Há um fundo de verdade
Numa história corriqueira
Que existe no sertão
Qualquer que seja a ribeira
E todo mundo conhece:
Quando uma cobra aparece
Sempre há uma companheira.
Essa cobra mamadeira
Tinha uma companhia
Com ela se revezava
Sempre que anoitecia
Uma saía a outra entrava
As duas cobras mamavam
E a mulher emagrecia.
Zé Lotério conhecia
Essa história do sertão
Resolveu se preparar
E agir com precaução
Pra o caso da companheira
Daquela cobra primeira
Aparecer no serão.
A primeira solução
Foi a troca de lugar
Zeca dormia no quarto
Que a cobra vinha mamar
E a mulher acomodada
Noutro quarto sossegada
Com o menino a repousar.
Não precisou esperar
Aquilo que suspeitou
Depois de uma semana
A outra cobra voltou
Adentrou pelo telhado
Foi no canto acostumado
Mas teta não encontrou.
Zeca Lotério acordou
Com aquele pisunhado
Saltou da cama ligeiro
Deu de garra de um cajado
Mas a cobra foi sabida
Tentando salvar a vida
Também saltou para um lado.
Foi grande o tarrabufado
Dentro daquele ambiente
Travou-se uma grande luta
Entre Zeca e a serpente
Cada porrada que dava
A cobra não acertava
O tempo ali ficou quente.
Começou a chegar gente
Mas no quarto não podia
Entrar, pois caco de cama
Por todo canto se via,
Zeca na cobra acertava
Um pedaço espatifava
Mas ela se debatia.
A serpente só morria
Com a cabeça esmagada
Até que Zeca Lotério
Acertou-lhe uma cacetada
Foi o desfecho da luta
Chagando ao fim da disputa
E dela não sobrou nada.
Se essa história é inventada
Mas tem lá sua razão
Pois a cobra mamadeira
Não é nenhuma invenção
Vive no campo ou cidade
Atrás de oportunidade
Pra ela entrar em ação.
Faço aqui a conclusão
Dessa história corriqueira
Usei nomes fictícios
Pra escrever a brincadeira.
Cuidado, mulher casada,
Para não ser vitimada
Pela cobra mamadeira.
Salvador, 30/03/2011
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 36