A LENDA DA CABEÇA SATÂNICA

Esse é mais um fantasma

Do folclore brasileiro

Chamam CABEÇA SATÂNICA

E veio do estrangeiro

Em Recife ele aportando

Hoje vive assombrando

Por este Brasil inteiro.

Não se sabe o roteiro

De onde ele surgiu

Crê-se ter vindo da Europa

De terras de muito frio

Com origem portuguesa

Só se sabe com certeza

Que a nossa terra invadiu.

Muita gente já o viu

Do litoral ao sertão

Por este Nordeste inteiro

Da Bahia ao Maranhão

Não gosta das capitais

Preferindo os matagais

E locais de escuridão.

Se faz dessa aparição

Relatos assustadores

Também muito variados

Desde os colonizadores

Está em todo lugar

E às vezes só de pensar

Nessa coisa causa horrores.

Olhos amedrontadores

Bastante arregalados

Um sorriso enigmático

Sempre na face estampado

Se vai pelo chão rolando

Outras vezes saltitando

Ou no ar fica parado.

Noutro fato registrado

Desta feita no sertão

É cabeça de um homem

Com feições de Lampião

Que contempla sorridente

O sofrimento latente

Dos que passam privação.

Numa terceira versão

É uma cabeça levada

Por um ser fantasmagórico

Que a conduz pendurada

E a solta pra aperrear

Quem se encontra num lugar

Errado na hora errada.

Costuma surgir do nada

Como uma pessoa vulgar

De costas pra o indivíduo

A quem quer intimidar

E sem luminosidade

Pois na obscuridade

O pavor aumentará.

Essa pessoa vulgar

Estranha e irreconhecível

Se transforma na cabeça

Ficando quase invisível

E vai pelo chão rolando

Com magia transformando

O possível em impossível.

Essa assombração incrível

Até o nome é um displante

Chamam CABEÇA SATÂNICA

Ou então CABEÇA ERRANTE,

Como já fora citado

Surge aos saltos pingados

Ou em cabeça rolante.

O seu olhar provocante

E sorridente seduz

Cabelos longos caídos

Tomam forma de capuz

Só lembrá-la nos consome

E a menção do seu nome

Já pede o sinal da cruz.

Sua aparência faz jus

A loucas palpitações

Até quando o assunto gira

Em torno de assombrações

O seu nome é descartado

Pra evitar que um descuidado

Padeça de convulsões.

Meras alucinações

Mas com fundo de razão

Pois associam seu nome

Com a própria encarnação

Do capeta, o coisa feia,

Que persegue quem vagueia

À noite na escuridão.

Se isso é superstição

Que essa cabeça perdida

Basta tocar em alguém

Ou algo que tenha vida

Que a criatura esmorece

Se depaupera, amolece

E morre logo em seguida.

Também é coisa sabida,

Se ela sai na noite afora

E para em frente a uma casa

Onde uma família mora

Em poucos dias acontece,

Alguém na casa adoece

E morre sem ter demora.

Pra que ela vá embora

Daquela casa afinal

Tem que chamar logo um padre

Pra exorcizar o local

Para afastá-la de cena

É rezar uma novena

E extirpar de vez o mal.

Mas novena natural

Sem essas modernidades

Pois a Cabeça Satânica

Pertence à antiguidade

E tem lá o seu mister,

Se não for reza como fé

Não tira sua maldade.

A sua capacidade

Satânica e bestial

Não enfraquece com reza

De padre sem ter moral

Sem generalização,

Mas toda congregação

Tem sempre alguém anormal.

Hoje é muito natural

Dessa cabeça a maldade

Pois religião com fé

É coisa da antiguidade,

As igrejas de hoje em dia

São ricas de fantasia

E pobres de caridade.

O que se ver na verdade

É propaganda enganosa

Hoje mula sem cabeça

Tornou-se mula vaidosa

E padres nas bacanais

Pulando nos carnavais

Todo ancho, todo prosa.

O que era mar de rosa

Virou mar de perdição

É a Cabeça Satânica

Toda cheia de razão

Atuando abertamente

Pra aumentar seu contingente

Não precisa escuridão.

Da capital ao sertão

Hojé é grande o reboliço

É terreiro sem macumba

Feiticeiro sem feitiço

Mas a vida segue em frente

E eu, abelhudo e insolente,

Não tenho nada com isso.

Quem puder mostre serviço

Pra não cair numa fria

Se essa cabeça rola

Até que nos serviria

Se fosse pra seleção

Em vez de desilusão

Talvez nos desse alegria.

Recife, 10/03/2011

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 18

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/02/2012
Reeditado em 20/11/2022
Código do texto: T3493748
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